1x17 - Comida de Porco

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Tão logo irrompeu pela mata, Pedrinho teve a certeza de que estava sendo perseguido. A agitação que começara na casa de Tia'Nastácia se espalhava, e o menino podia ouvir as vozes de pelo menos três homens gritando uns para os outros:

- Roubaram a casa da mãe!

- Tá indo pro mato, pega, pega!

- Vai por lá! Cerca ele!

Pedrinho fugira de forma tão apressada que, ele agora percebia, acabou tomando um caminho diferente daquele que tinha usado para chegar até a vila ribeirinha. Não havia trilha visível, apenas mata densa cerrando-se mais e mais ao seu redor. Pedrinho sentiu que se afastava cada vez mais do rio e do caminho de volta para a Casa Grande, mas não podia parar de correr.

Pelo canto do olho, ele viu as silhuetas de seus perseguidores passando por entre as árvores que deixara para trás. Mais além, Pedrinho ainda divisava as cores da vila ribeirinha. Não teria problemas em refazer seus passos de volta a vila e além dela, até a passagem às margens do rio, se ao menos conseguisse se livrar daqueles homens.

Eles, contudo, não davam sinais de que iriam desistir. Pelo contrário, outros pareciam terem se juntado aos três primeiros na caçada. Eram cinco, dez, cem, pelo que o desespero de Pedrinho lhe gritava. E estavam cada vez mais próximos. Estavam cercando-no.

O coração de Pedrinho quicava de um lado para o outro em seu peito, tão veloz e fragoroso que abafava os sons ao seu redor. Os pés em fuga impactavam o chão já dormentes pelo esforço ao qual Pedrinho por puro instinto lhes submetia, ao que uma dor lancinante começava a fervilhar no lado esquerdo de sua barriga, dificultando-lhe a respiração.

Pedrinho tomou um instante para recuperar seu fôlego. As vozes anônimas se aproximavam, mas não tinha escolha. Os músculos das pernas espasmavam, e ele sentia a polenta e a linguiça de porco do almoço querendo forçar caminho garganta acima. Pedrinho ergueu a cabeça e respirou fundo, tentando sugar algum ar puro acima daquela asfixiante nuvem de terror, que a ele era tão familiar. Pois embora o sol despejasse seus raios por entre as copas das árvores, Pedrinho sentia-se na noite da procissão negra outra vez.

As copas das árvores...

Era sua única saída.

Não havia tempo para escolher. Pedrinho apenas se lançou contra a árvore de sombra mais densa que avistou e, utilizando-se de todas as técnicas ensinadas por Narizinho, começou a escalar. A casca dos galhos desmanchavam-se em farpas afiadas contra as palmas de suas mãos, mas Pedrinho não se deteve até que não houvesse mais por onde subir.

Tratava-se de uma aroeira, mas ele só se deu conta disso ao se deparar com um cacho de suas frutinhas vermelhas, já muitos metros acima do chão. Dali, diferente de quando estava embrenhado na mata, Pedrinho conseguia perceber a depressão do terreno ao longo do curso do rio, visível como uma fenda entre dois tapetes verdes e profundos. Parecia tão próximo, e ainda assim, tão distante.

- Viu alguma coisa?! - perguntava um dos peões.

- Não! Sumiu! - respondeu-lhe outro, parado bem à sombra da aroeira. Alto, magro, bigode minguado.

- Que que ele pegou?

- A mãe não disse. Só que a gente tem que achar ele.

Pedrinho afundou-se no meio das folhagens da copa. Então, tateou silenciosamente o volume que trazia por dentro da camisa, certificando-se de que não deixara o porta-retrato com a foto de Dona Benta cair durante sua atabalhoada fuga. Com sorte, aquilo serviria para mostrar a senhorinha o quanto ela estava em perigo.

O quanto precisavam escapar daquele sítio.

- Como foi que ninguém viu esse moleque?

- O danado escapuliu pela janela! - respondeu, irritado, o alto.

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