1x21 - Benta (Parte VII)

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– É tarde demais. – continuou. – O que vai acontecer lá embaixo é só uma celebração. O banquete deles já começou, e não pode ser interrompido. Do contrário, podem ficar muito, muito zangados.

– Deles QUEM?

A resposta de Benta veio na sugestiva olhadela que deu para o selo que pendia da parede, atrás de Emília e Anastácia. Um círculo metálico, atravessado de um lado a outro pelas cinco pontas de uma estrela distorcida, através da qual uma mulher nua parecia tentar nascer.

– Benta, por favor...

– Larga ela. Agora. – insistiu a outra, dando um passo à frente. – Eu não vou deixar que saiam daqui.

Lágrimas escorriam pelo rosto inchado de Anastácia. O pavor que sentia pela presença de Benta a fez se aninhar ainda mais em Emília, encolhendo-se o máximo que conseguia junto ao corpo da amiga.

– Foi a mamãe que mandou você fazer isso?! – gritou Emília à irmã. – Você não tem que obedecer!

Benta riu.

– Mamãe só soube quando eu já tinha feito as primeiras Ofertas. Se visse a cara de surpresa que ela fez... o quanto ela ficou contente. Acho que ela não esperava que eu já estivesse pronta.

O orgulho contido nas palavras de Benta faziam o estômago de Emília revirar de repulsa. Mas tal sentimento, não importasse o quão nocivo, não se comparava ao temor que dela se apoderava pelo reflexo flamejante da lâmina, outro passo mais próximo.

– No fundo você sabe que vai ter que deixar essa negrinha. – afirmou Benta. – Vamos combinar assim. Se sair correndo agora, eu não digo para a mamãe que você quase estragou nossa grande noite, está bem?

– Faria isso por mim? – indagou Emília, hesitante.

– Claro que sim. – Benta abriu o sorriso que era só seu. – Você é minha irmã.

Emília deu um vacilante passo à frente, permitindo que o braço de Anastácia deslizasse lentamente pelo seu ombro.

– Emília... – balbuciou a menina, incapaz de reagir.

– Feche os olhos. – sussurrou-lhe Emília. – Sempre para a esquerda. Não tire as mãos da parede. Não olhe para trás. Não pare por nada nesse mundo. Vai!

Emília desvencilhou-se dela com um movimento rápido, atirando-se contra Benta antes que tivesse tempo de erguer o punhal. Anastácia precisou estender as mãos para não se estatelar; em um último e desesperado esforço, tornou a se erguer, seus pés patinando na densa e escorregadia camada de poeira que cobria o chão da sala dos anjos.

– Me solta! – bradava Benta, enfurecida. – Emília!

Anastácia alcançou a porta deixada aberta por Benta e olhou para trás. As duas irmãs seguiam atracadas em um enlace brutal, rostos e forças idênticas disputando entre puxões, arranhões e mordidas a posse da lâmina.

– Vai! – gritou Emília. – Agora!

Aos prantos, Anastácia obedeceu, desaparecendo na escuridão do corredor. Benta e Emília continuaram a brigar por um minuto que pareceu eterno. Seguravam juntas o cabo do punhal, compartilhando também a dor nos músculos à beira da exaustão. À sua volta, as labaredas tremulavam em uma dança frenética, enchendo o ar de um calor infernal. Veios de suor precipitavam-se pelos rostos das gêmeas que, contraídos pelo imenso esforço, quase se tocavam, revelando todo o rancor a eclodir identicamente daqueles dois corações opostos.

Então, não houve nenhum som. Nenhum bramido raivoso ou grito de dor, tampouco suspiro de alívio. Houve apenas a pontada excruciante e as chamas amainando de súbito, a ponto de quase se apagarem. Emília caiu de joelhos, enquanto Benta dava um passo agora desimpedido para trás, deixando um rastro vermelho por onde gotejava a ponta da lâmina. Emília sentiu a dor espalhando-se por seu ventre assim como a mancha de sangue por seu velho vestido.

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