1x19 - A Curva Impossível (Parte I)

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Não havia sinal do Pai da Senzala, mesmo assim Pedrinho preferiu não arriscar. Tão logo sentiu-se em condições de correr, abandonou seu esconderijo no meio das raízes às margens do rio e saiu em disparada pela mata, só parando para se recuperar quando já estava para lá do meio do milharal.

Pedrinho apoiou-se na haste que sustentava o Visconde de Sabugosa e respirou fundo, sem se incomodar com o cheiro forte que exalavam as espigas mortas ao redor do espantalho. Então, tateou as costas, tentando inutilmente descolar a camisa, que de branca agora estava rósea pelo sangue aguado, do corte provocado pelo ataque do monstro.

Pedrinho sentia-se exausto. Mas também livre, e mais corajoso do que jamais havia se sentido. Graças a sua bravura, Emília se fora, e agora ele, Dona Benta e Narizinho poderiam buscar a ajuda de que tanto precisavam.

Retomando a travessia pelo milharal, Pedrinho observou, desconfiado, que não havia sequer um peão trabalhando na colheita. Não que quisesse esbarrar com um, muito pelo contrário. Depois do que testemunhara na vila ribeirinha, do que ocorrera com Barnabé... Queria se manter o mais longe possível do povo de Tia'Nastácia. Ainda assim, Pedrinho achou muito estranho, e suspeito, ver carrinhos de mão e pás abandonados às margens da plantação, com o Sol já tão alto no céu...

Seu pensamento foi interrompido no instante em que deixou o milharal.

- Narizinho!!! - gritou Pedrinho, correndo de encontro a ela.

A menina estava estirada bem no meio da trilha. Seu corpo estrebuchava. A cada violento espasmo, uma golfada de água salpicada de vermelho forçava caminho pela garganta de Narizinho, inundando-lhe o rosto.

- Narizinho... - clamou ele, ajoelhando-se ao seu lado. - Narizinho... acorda!

Percebendo como ela sufocava, Pedrinho tratou de colocar Narizinho de lado. Em seguida, bateu com força em suas costas, como sua mãe fazia nas vezes em que se engasgava. Narizinho, contudo, continuava a se debater; seu vômito já formava uma poça maior do que ela, ainda assim, continuava a expelir água vermelha.

- Socorro! - berrou Pedrinho, sabendo, em seu íntimo, que ninguém viria. - SOCOORROOOO!!!!

O desesperou abateu-se sobre Pedrinho outra vez. Narizinho estava morrendo. Ele sabia que precisava fazer alguma coisa, e rápido, do contrário... do contrário... Não, a ideia de perder sua melhor amiga era simplesmente impensável. Assim, reunindo uma força que nem mesmo ele sabia que tinha, Pedrinho passou um dos braços de Narizinho ao redor do pescoço e levantou-a, cuidadosamente. A trilha adiante serpenteava por altos e baixos, até sumir no ponto em que, Pedrinho sabia, se juntava à estrada principal do sítio. Ao longe, despontavam a fachada branca e as janelas negras da Casa Grande.

Jamais parecera tão distante.

O peso de Narizinho contra si tornava cada passo à frente um desafio lento e doloroso, mesmo assim, Pedrinho não esmoreceu. Tomando o cuidado de manter a cabeça de Narizinho baixa, de forma que ela não tornasse a se engasgar com a água que continuava a pôr pra fora, Pedrinho seguiu arrastando-a, aos tropeços, pela trilha acidentada.

Pedrinho não sabia qual dor era pior, se a do rasgo sangrento nas costas, das solas castigadas de seus pés descalços, ou das pernas, às quais o esforço de carregar Narizinho infligia câimbras pulsantes e profundas. Ao alcançar a estrada, Pedrinho acelerou o passo, o que fez todas as dores piorarem um pouquinho mais.

- Socorro! - gritou Pedrinho, ao avistar os jardins da Casa Grande. - DONA BEENTAAA, SOCOORROOO!

A primeira a vê-los, porém, foi Néia. A empregada acabava de passar diante da casa, carregando um cesto de roupas.

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