1x04 - As Plantas Mortas

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- Um espantalho?! - perguntou Pedrinho, inconformado. - O seu monstro é um espantalho?!

A figura era horrorosa, sem dúvida, ainda assim ele não via justificativa para o choro aterrorizado de Narizinho. Não seria tão mais feio que Emília, por exemplo, se ela tivesse três metros de altura, e a menina vivia carregando-a para todo canto.

O espantalho estava apregoado em uma cruz que se voltava para a mata além do milharal. Estava vestido com uma camisa xadrez esfarrapada e calças tão velhas quanto. O conjunto, que um dia deve ter sido verde mas hoje se aproximava mais da cor de folhas secas, era tão puído que mal parecia ser capaz de conter o recheio de palha. Assim, tufos de palha despontavam aqui e acolá pelos rasgos da roupa, e especialmente por entre os botões da camisa xadrez.

Pedrinho deu um passo à frente, procurando uma melhor visão do rosto sombreado pelo chapéu de palha. A cabeça do espantalho parecia ter sido feita a partir de uma velha bola de futebol, daquelas brancas e lisas. Pelo que Pedrinho conseguia ver (e ele tinha certa experiência no assunto), alguém tinha rasgado a bola, daí aproveitaram e fizeram outro rasgo parecido do lado, simulando olhos, e então outro maior e mais recortado logo abaixo, fazendo assim a boca do “monstro”.

Aquele era o primeiro espantalho que Pedrinho via “em carne e osso”, e já se perguntava se poderia haver algum mais feio.

Nos arredores da figura, como Pedrinho já havia percebido, o milharal parecia abandonado. Os caules, amarelados e encolhidos, exalavam um odor fétido, como o de flores depois de muitos dias em um jarro. Eram também mais baixos do que aqueles pelos quais Pedrinho passara ao perseguir Narizinho, quase da altura dele. Pedrinho alcançou uma das espigas, e a palha praticamente desmanchou-se em cinzas em sua mão, revelando grãos cinzentos e apodrecidos. Cheirou os dedos, torcendo o nariz pelo fedor que se impregnara neles.

À alguns passos dali, Narizinho fungava, encolhida. Choramingava baixinho, enquanto abraçava com força sua boneca. Pedrinho deixou de lado a espiga podre e retornou a ela.

- Não tem por que ter medo. - disse ele, tocando de leve o ombro de Narizinho. Ela estremeceu, assustada. - É só um boneco grande e velho, olha.

A menina se recusava a abrir os olhos.

- Tá bom, não precisa olhar. Só deixa eu pegar a sua mão, que a gente sai daqui. Tudo bem assim?

Hesitante, Narizinho aquiesceu. Ainda de olhos fechados, ela segurou Emília contra si com uma das mãos, enquanto estendia a outra para Pedrinho. Ele a ajudou a se levantar, e os dois caminharam lentamente por entre as plantas mortas, afastando-se do espantalho.

Já estavam de volta a seção preservada do milharal, quando ele disse:

- Só tem um problema. Eu não sei o caminho pra fora daqui.

- Mas você é burro mesmo heim. - respondeu Narizinho, ainda de olhos fechados.

Pedrinho abriu um sorriso silencioso. Ao menos ela estava mais calma.

- Vai dizer que já nasceu sabendo tudo?

Narizinho pisou em falso, por pouco não tropeçando. Sua mão apertava a de Pedrinho com tanta força que o menino começava a senti-la doer.

- É pra lá, anda. - Narizinho apontou, resoluta, para a esquerda. Voltando-se para ela, Pedrinho viu que continuava de olhos fechados.

- Tem certeza? Não é melhor abrir os olhos? Já estamos longe do “monstro”.

- É pra lá sim, vem logo.

E com essas palavras, Narizinho tomou a dianteira. Agora era ela quem levava Pedrinho pela mão. Ele se surpreendeu pela maneira como Narizinho, mesmo de olhos fechados, caminhava decidida pelo escuro milharal, parecendo saber exatamente onde fazer uma curva para a esquerda ou direita, desviando de onde pés de milho se amontoavam de forma mais densa para encontrar trilhas praticamente invisíveis.

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