1x18 - Afogados (Parte I)

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Era a primeira vez que a morte lhe tomava alguém.

Havia algo que era mais estranho do que triste à respeito daquilo. No fundo de seu coração nublado, Pedrinho tinha a impressão de que Barnabé estava dormindo em seu quarto, ou fazendo algum reparo pela Casa Grande, ou quem sabe no pasto... de alguma forma. Cada pessoa no mundo causa uma sentimento diferente e único quando se pensa nela, uma presença, sentida mesmo quando está distante.

E a presença de Barnabé continuava forte.

Afinal, tinham conversado havia poucas horas. Pedrinho ainda lembrava de cada palavra. Barnabé não podia estar... morto? Não, Barnabé não era o volume coberto por uma lona preta, sendo embarcado na caminhonete por aqueles dois policiais. Ouvira eles dizendo algo sobre terminarem de recolher o "corpo". Mas Barnabé não era um corpo, era uma pessoa! Era seu amigo! Então, tinha que estar em algum lugar, pronto para que conversassem sobre bichos e sobre futebol, pronto para ajudá-lo.

... não tinha?

Sua mãe já havia lhe contado que, depois da morte, existia um céu para as pessoas boas, e um inferno para as pessoas más. Certa vez, contudo, Pedrinho acordou com a certeza de que tudo não passava de histórias para crianças, como o Papai Noel ou o Coelhinho da Páscoa. Passou o dia todo chorando, com medo de morrer. De um dia não estar mais em sua casa e nem em lugar nenhum, de não estar nunca mais com seus pais, de tudo apenas não ser, como era antes dele ter nascido.

Agora, ao menos, sabia que aquilo não era verdade. Existia, sim, um lugar além da fronteira negra. Um lugar terrível. Do fundo de seu coração, Pedrinho só torcia para que também existisse um lugar bom, pois se existisse, se o céu fosse mesmo real, então tinha certeza de Barnabé iria para lá.

(Mas como ele faria para chegar, se os porcos haviam comido suas pernas?)

- Com licença, Dona Benta.

A voz do delegado rompeu o silêncio que pairava na sala de estar, despertando Pedrinho de suas reflexões. Não sabia há quanto tempo estivera daquele jeito, com a cabeça enterrada no aconchegante colo de Dona Benta, fazendo nada além de pensar. Mas a forma como os lampiões já empalideciam face à luminescência cremosa do amanhecer indicava terem sido umas boas três ou quatro horas.

- Pois não, doutor Marques.

- A senhora pode me conceder uns dois minutos?

- Oh, sim... Pedrinho, poderia se levantar só um pouquinho? Isso, obrigada.

Pedrinho sentou-se no sofá, enquanto a senhorinha enxugava a face lavada de lágrimas e se levantava para melhor atender ao delegado vindo de Montes Calmos. Estavam apenas os três na sala. Uma hora antes, Narizinho acabara caindo no sono e fora levada por Néia até seu quarto na ala dos empregados.

- Então, doutor, descobriram o que pode ter acontecido? - perguntou Dona Benta.

- Tudo leva a crer que foi mesmo uma fatalidade. - respondeu o homem, com uma secura que era condizente com sua compleição rígida. - Bicho é traiçoeiro assim mesmo.

- Não, eles não. - retrucou Dona Benta. - Eles sempre foram mansinhos demais. Aqueles porquinhos eram o xodó do coitado do Barnabé. Eu não consigo acreditar que tenham... que tenham...

- A senhora disse que ventou forte aqui, ontem. Talvez isso os tenha deixado mais agressivos.

- É, talvez.. - disse a senhorinha, mas sua voz soava pouco convicta. - Mas e agora, deram muito trabalho?

- Não. - respondeu o Delegado Marques. - Seus ajudantes ficaram junto deles pra que processássemos o local, mas nem foi preciso. Estavam o tempo todo acuados no fundo do chiqueiro. Talvez saibam o que fizeram.

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