De volta à Casa Grande, Dona Benta recebeu a cada um dos dois com um abraço longo e apertado. - Mas que susto que vocês me deram, viu.. - disse ela, levando a mão ao peito. - E essa ventania? Meu Deus, que coisa horrível!
Pedrinho e Narizinho se entreolharam, em silêncio. Os ferimentos que haviam sofrido durante sua fuga não eram nada, se comparados ao terror de estarem perdidos no escuro, em meio à ventania, o tenebroso som do chicote parecendo rasgar-lhes os ouvidos. E a criatura...
- Pedrinho? - repetia Dona Benta. - Pedrinho?
Foi só aí que o menino ouviu chamarem seu nome. Por um instante ele esteve de volta aos terrores de volta.
- Pedrinho.. é melhor que vá se deitar. - sugeriu a senhorinha. - Néia, leva a Narizinho pra cama também, por favor?
A empregada cutucou o ombro da menina, conduzindo-a para os fundos da casa. Narizinho continuava a apertar com força os próprios braços, caminhando encolhida como se estivesse nua na frente de todos. Ainda assim, Pedrinho não pôde deixar de estranhar a tranquilidade que ela demonstrava por ter se separado de Emília.
Àquela altura a boneca estava perdida entre os cipós de uma árvore qualquer, em um lugar que Pedrinho pretendia nunca, jamais, tornar a pôr seus pés. Isso se não já tivesse ido parar nas mãos de uma daquelas assustadoras figuras de preto. De uma forma ou de outra, Pedrinho só esperava que a aparente calma de Narizinho não fosse um sinal de que ela pretendia ir atrás de Emília. Afinal, para chegar na mata, precisaria atravessar o cafezal. E “aquilo” poderia estar lá.
“Você disse que ia ficar tudo bem!” - tinham sido as últimas palavras de Narizinho para sua boneca.
Ao que tudo dizia, Emília havia mentido.
Exausto, Pedrinho subiu as escadas com dificuldade. Desabou sobre a cama e, por um longo, permaneceu lá, apenas reunindo forças para tomar outro banho e limpar suas feridas. Mantinha, contudo, os os olhos abertos, arregalados na verdade, pois a cada vez que os fechava sentia o vendaval empurrando-o para trás, na direção da procissão negra e do urro monstruoso da coisa que os atacara no cafezal.
Dona Benta havia pedido que uma das criadas esquentasse um pouco de água para o seu banho, o que foi um alívio tendo em vista o frio que fazia naquela noite. Quando Pedrinho saiu do banheiro, sua anfitriã estava à sua espera para acompanhá-lo até o quarto.
- Já pus Narizinho pra dormir. - disse Dona Benta. - Agora é a sua vez. Amanhã teremos uma conversa sobre o que aconteceu.
Pedrinho não estava nem um pouco preocupado com a bronca que poderia levar. Depois do que vivera naquela noite, levar um puxão de orelha pareceria tão bom quanto tomar sorvete de chocolate.
- Não quer mesmo comer nada antes de dormir? - perguntava Dona Benta pela quinta vez. - Pelo menos toma um copo de leite quente. Eu pego na cozinha pra você.
- Não, Dona Benta, obrigado. - respondeu Pedrinho, deitando-se na cama. Evitava olhar diretamente para a vela carregada por Dona Benta, já que todo o horror daquela noite havia começado justamente com as chamas distantes que avistara da janela de seu quarto.
- Então está bem. - disse a senhorinha, cobrindo o corpo dele com um lençol e beijando-lhe delicadamente a testa. - Sonha com os anjos, meu filho. Até amanhã.
Estava prestes a deixar o quarto, quando Pedrinho a chamou de volta.
- Dona Benta?
- O que foi? - perguntou Dona Benta, em um tom preocupado.
- A senhora podia... podia... - Pedrinho estava hesitante.
- Pode falar, meu filho. Quer alguma coisa?
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O Sítio
HorrorSérie literária de mistério e terror inspirado no Sítio do Picapau Amarelo, de Monteiro Lobato. Pedrinho é um garoto da cidade que, como tantos outros, não entende bem o complicado momento que vive seu país. Apenas quando seu pai, um ativista políti...