Pedrinho ofereceu-se para carregar o balde de legumes e seguiu os passos de Narizinho até o estábulo. Assim que entraram, os seis cavalos e as quatro éguas do sítio agitaram-se, relinchando de dentro de suas baias.
- Eles estão nervosos. - disse Pedrinho, abaixando o balde.
- O Barnabé disse que estão assim desde de manhã cedo. - disse Narizinho. - Falou pra eu ter cuidado.
Narizinho encostou Emília na entrada do estábulo e dirigiu-se até o balde, pegando alguns legumes e distribuindo-os pelos alimentadores dos cavalos. Os animais se limitaram a cheirar o alimento, recuando em seguida para o fundo das baias.
- É melhor ter cuidado mesmo. - ratificou Pedrinho, de olhos fixos em Emília. A presença da boneca ali o angustiava. - Então... não ia perguntar pra Emília? Sobre ontem?
Narizinho inclinou a cabeça na direção de Emília, enquanto estendia uma cenoura contra o focinho de uma das éguas. Esta apenas relinchou e recuou, arredia.
- Ela não quer falar com você por perto. - disse por fim Narizinho, seguindo para a próxima baia.
- Mas eu nem consigo escutar o que ela diz! - retrucou o garoto.
- Mesmo assim. - disse Narizinho, tentando fazer com que o cavalo comesse a cenoura. - Olha, eles não querem comer.
Desistindo da tarefa, Narizinho bufou, frustrada, e atirou a cenoura de volta para o balde.
Observando a agitação dos cavalos, Pedrinho percebeu como seus grandes olhos negros pareciam voltar-se diretamente para Emília. Na verdade, era mais que uma simples impressão; Pedrinho sabia que a boneca era a fonte da inquietação dos animais, pois era também a sua. Mesmo de costas para Emília, sentia seus pequeninos olhos sobre si, e sobre Narizinho.
“Você disse que ia ficar tudo bem!”... se aquilo era verdade, então o que ocorrera na mata e no cafezal, o segredo que Dona Benta escondera em seu diário, a misteriosa voz que ouvira em sua primeira noite, tudo girava em torno dela. Emília seria, ela própria, a origem de todos os mistérios que pareciam pairar sobre o Sítio do Picapau Amarelo.
Pedrinho precisava saber.
E ali, em plena luz do dia, talvez fosse a única hora em que se sentia corajoso o bastante para fazê-lo.
- Narizinho... - começou ele. - Por que saiu sozinha ontem à noite? Você sabia o que tava acontecendo na mata?
Narizinho nada respondeu, continuando a despejar a comida dos cavalos nos alimentadouros. Mesmo assim, Pedrinho percebeu, pela olhadela que a menina deu para sua boneca, que ela o havia escutado.
- Foi a Emília que te mandou ir lá, não foi?
- Ela não manda em mim, ninguém manda! - exclamou Narizinho. Em seguida, calou-se, como se uma voz inaudível a tivesse interrompido. - Ah, uma hora ele vai ter que saber!
Pedrinho não teve dúvidas de que ela se dirigia à Emília.
- A Emília não mandou que eu fosse lá, ela pediu. - disse Narizinho, retornando com o balde vazio para a entrada do estábulo.
- Pra quê? - indagou Pedrinho.
- Ela disse que eu precisava ver uma coisa. - Narizinho tomava Emília outra vez em seus braços.
- Mas ela não sabia o que tinha lá?! Aquelas pessoas... aquela coisa..
- Claro que a gente sabia. - respondeu Narizinho. - Eu disse pra ela que podia ser arriscado, que no meu sonho eu corria pela mata, mas sempre acabava sendo pega por eles.
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O Sítio
Kinh dịSérie literária de mistério e terror inspirado no Sítio do Picapau Amarelo, de Monteiro Lobato. Pedrinho é um garoto da cidade que, como tantos outros, não entende bem o complicado momento que vive seu país. Apenas quando seu pai, um ativista políti...