Capítulo 1🍷Alexandra dos Anjos🍷

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Alexandra

Rio de Janeiro, Brasil

Ajusto as lentes do velho telescópio no observatório abandonado. Essa é minha hora preferida do dia, quando me isolo dos demais e desfruto da quietude do esconderijo.

Observar os astros sempre foi uma diversão desde pequena e se tornou uma fuga da realidade depois que fui matriculada no Instituto São Miqueias.

No início, fiquei ressentida por minha mãe ter me deixado no Brasil aos cuidados de tia Francisca para tentar a sorte na Europa. Mas com o tempo, comecei a entender o quanto foi difícil para ela. Mãe solteira e com poucas oportunidades, precisou lutar muito para me criar sozinha.

Minha mãe sempre se reinventou. Nunca foi de desistir fácil e entregar-se às adversidades da vida. Trabalhou como cabeleireira, manicure, faxineira, esteticista e fez comida para fora. Até que viu em um noticiário o anúncio de um programa de repovoamento de uma cidadezinha com pouco mais de cinco mil habitantes na Itália.

A princípio, achamos tudo uma loucura e que poderia ser algum tipo de golpe para atrair estrangeiros. Mas após averiguarmos, tivemos provas suficientes de que se tratava de uma proposta séria do governo de Sambuca di Sicília para atrair novos moradores para o vilarejo histórico que estava quase desaparecendo.

Audaciosa como sempre, dona Maria dos Anjos fez as malas e se aventurou na viagem que a proporcionou um bom emprego como governanta na mansão de uma abastada família italiana, além de ter conseguido comprar a casa de seus sonhos.

Atualmente, envia uma quantia em dinheiro para minha tia-avó Francisca, que cuida de tudo que se refere a mim e me mantém matriculada no São Miqueias, maior é melhor internato da cidade, onde estão matriculados os filhos dos figurões mais ricos e bem sucedidos do país.

A grande maioria dos internos foram deixados por pais que desistiram das tentativas de ajustá-los à sociedade. Alguns precisaram ser afastados de más influências, outros de vícios ou de uma vida desrregrada. Poucos casos são como o meu, bolsista e vinda de família humilde.

Passo a semana no Instituto estudando e volto para casa nos fins de semana.
Mas alguns internos ficam meses sem ver a família. Como o caso de minha amiga Micaela, que engravidou aos quinze e foi jogada no internato para esconder a "vergonha" que causou à família. Hoje os pais criam o neto como filho e mantem Micaela no Instituto para afastá-la dos antigos amigos.

Há também casos como o de Munira Albuquerque de Miranda, filha de um grande empresário do ramo farmacêutico que vive viajando. Mal tem tempo de ver a única filha. Isso e o abandono da mãe tornou Munira uma garota rancorosa, que vive descontando as frustrações nos colegas de internato.

A direção do Instituto é bastante rígida. As punições são duras e frequentes e os inspetores e professores pouco flexíveis. Preferem nos chamar pelos sobrenomes para que se mantenha a formalidade e distanciamento emocional dos alunos. Meninas e meninos ficam em prédios separados. Nos encontramos apenas nas aulas e durante as refeições.

É meu último ano no São Miqueias. Em breve completarei dezoito e partirei do Brasil com tia Francisca para viver na Europa com minha mãe.

Não vejo a hora de abraçá-la e termos as conversas intermináveis que tínhamos sem precisar de chamadas de vídeo.

Respiro fundo e prendo uma mecha de meu cabelo liso e castanho escuro atrás da orelha.

 Sambuca di Sicília. Série Caminhos do destino. Vol.1Onde histórias criam vida. Descubra agora