Desço pela primeira vez a escadaria de uma das maiores comunidades na zona sul do Rio de Janeiro. Foi onde Vicenzzo Marinho me deixou desde que chegamos em um voo fretado há uma semana.
O ambiente não é uma novidade, pois cresci em uma residência humilde em outra favela carioca com minha mãe e tia Francisca. Mas a forma como fui deixada no lugar sob ameaças me deixou muito assustada. Passei uma semana isolada e com poucos recursos em um barraco no alto do morro com medo de retaliações.
Receio entrar em contato com meu antigo internato para pedir ajuda e abrigo a senhora Menezes, pois tenho certeza de que o São Miqueias será o primeiro lugar onde Cesare me procurará. Não posso arriscar sua segurança nem a de Nicollo. Preciso me manter anônima o máximo possível.
Ajusto o capuz do casaco preto na cabeça e saio das sombras para entrar rapidamente na condução que chamei por um aplicativo.
A única pessoa que conversei nos últimos dias foi Micaela. Fiquei aliviada ao saber que minha amiga também retornou ao Brasil e agora vive com o filho em um apartamento independente dos pais.
Marcamos um encontro no segundo andar de uma lanchonete pouco movimentada no Centro da cidade. Dessa forma poderemos conversar sem receios.
Chego adiantada no local. Sento em uma mesa recuada no canto, peço um suco de laranja e me perco em lembranças observando a paisagem pela vidraça do restaurante.
À esquerda está o MAR (Museu de Arte do Rio) e à direita destaca-se a estrutura moderna do Museu do Amanhã, que tem como pano de fundo a baía de Guanabara, a ponte Rio/Niterói, algumas ilhas e suntuosos navios ancorados no porto.
Com um suspiro reconheço que senti falta de meu país. Do acolhimento e do jeito espontâneo brasileiro. Sorrio ao lembrar dos passeios durante a infância com minha mãe e tia Francisca nos fins de semana.
_ Pelo jeito não mudou nada! Continua a mesma distraída de sempre! _ O tom de voz alto me desperta imediatamente.
Viro a cabeça e observo Micaela com seu sorriso franco e jeito espalhafatoso se aproximar.
_ Vai ficar aí me encarando ou vai me ajudar aqui, sua tonta?!
_ Claro! _ Levanto-me apressada.
Uma súbita vertigem me atinge. Apoio-me na mesa e fecho os olhos.
_ Desculpe, Mica. _ Respiro fundo algumas vezes.
_ Ei! O que houve, Alê?! Está se sentindo mal?_ Micaela se assusta.
_ Não! Não é nada demais. _ Abro os olhos já voltando ao estado normal. _ Foi a emoção de te reencontrar.
Pego a bolsa enorme que ela carrega em um braço e descanso na cadeira. Do outro lado, enganchado em seu quadril está Vitinho, seu filho de três anos. Nos encaramos por um tempo. Nossos olhos se enchem de lágrimas.
_ Ah, vem cá sua maluca! _ Micaela me abraça desajeitada. _ Quanta saudade senti, viu?!
_ Também senti muito sua falta, amiga. _ A aperto em meus braços.
Micaela sempre foi um pouco menor que eu.
As horas que se seguiram foram de pura nostalgia. Lembramos dos três últimos anos em que estudamos no São Miqueias, da gravidez precoce de Micaela, do nascimento de Vitinho, do distanciamento de nossos pais e das nossas desventuras no ensino médio.
Micaela conseguiu um emprego assim que retornou do intercâmbio no Canadá. Tomou a guarda do filho e vive sozinha em um modesto apartamento na zona sul do Rio.
_ Diga-me amiga, pensou em minha proposta? Venha morar conosco. O apartamento é pequeno, mas te garanto que podemos dar um jeito.
_ Ainda não tenho emprego, Micaela. Não sei se poderei custear com todos os gastos. Além do mais, não posso morar em um lugar muito exposto. Não quero que me encontrem.
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Sambuca di Sicília. Série Caminhos do destino. Vol.1
RomancePrestes a completar dezoito anos, Alexandra dos Anjos terá que fazer uma escolha que definirá o rumo de sua vida. Estudou desde os quinze em um dos internatos mais conceituados do Rio de Janeiro enquanto a mãe esteve fora do país trabalhando como go...