Distração

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Encontrava-me estudando coisas secretas e intrigantes,

Construindo um futuro, seguindo um plano,

Mas você me distraiu.

Ofuscou minhas perguntas, retirou o meu roteiro,

Me fez dançar quando eu não sabia os passos,

E não conhecia a música.

Eu estava com hora marcada para tudo, sob controle absoluto,

Mas você me distraiu.

Você me acordou da realidade e me fez viver um sono eterno,

Um coma de emoções, de coisas grandiosas ou insignificantes,

Desde que eu permitisse você ao meu lado.

Você me fez olhar para o céu e voar,

Levou-me a mergulhar e fez vir à tona o melhor de mim.

Eu não sabia o que isso significava,

Não sabia da confusão, do descontrole, do caos em meu ser,

Desconhecia quem eu era e quem era você,

E na verdade não queria saber,

Porque você me distraia e me deixava assim,

Sem me importar ou perceber.

Quando eu não via graça em nada, você passou em minha frente.

Precisava fazê-lo, porque eu havia distraído você também.

Você não resistiu, tinha que tentar, e eu nada sabia.

Eu estava ocupada, mas você me distraiu.

Estava planejando o fim do mundo, mas você apareceu,

Sem consciência do que causava simplesmente por existir.

Não consegui me manter imóvel, foi inevitável virar o pescoço,

Automático olhar-te ao passar, pois era impossível te ignorar.

Havia poder em seus passos e encantamento em seus rastros.

Meu impulso era te pegar pela cintura e te puxar,

Tomando o beijo que você já queria me entregar.

Mas não demorou muito para que, mesmo distraídos,

Víssemos que havia provas e desafios, muralhas e labirintos.

Invadiram nosso cerco e não pudemos perceber.

Somavam-se forças sombrias que não podíamos prever,

Mas que tentamos deter.

Então sacamos a espada e fomos ao campo de batalha.

Houve tiros, morte, sangue, dor, loucura, fuga, pecado e culpa.

Nos perdemos entre o norte e o sul, o leste e o oeste.

Nossa bússola se quebrou e não conseguimos unir nossas mãos,

Porque a guerra nos havia distraído.

Quão difícil resistir àquele poder esmagador e às ruínas ao redor,

Às demolições dentro de nós, ao roubar e destruir.

Quando finalmente nos encontramos, não mais nos reconhecemos.

Havia passado tanta história e tudo em nós era diferente.

Ainda éramos os mesmos? Ainda estávamos vivos?

Não tínhamos certezas, somente tristezas.

Mas alguém nos vira em segredo,

Desde os primeiros olhares.

Havia nos vigiado em todo o tempo,

Sem se distrair.

Então enquanto declarávamos o fim da guerra,

Também sepultávamos a nós mesmos.

Mas aquele alguém, aquela terceira - ou primeira - pessoa,

Que estivera velando por nós,

Não podia permitir que a lâmina afiada nos vencesse.

Ele nos chamou, nos limpou, nos vestiu ricamente,

Nos deu um anel de ouro, nos fez belos de novo,

E planejou um encontro do qual não desconfiamos.

Quando nos pôs lá, um em cada lado, inocentes,

Crentes que nosso amor havia morrido no fogo cruzado,

Nos pomos a caminhar anestesiados.

Mas ao passarmos pela mesma estrada,

Cheios de marcas cicatrizadas e feridas ainda abertas,

Mesmo mutilados no corpo e na alma,

Foi impossível não notarmos um ao outro,

E paramos, em torpor, tentando acreditar.

Estávamos mesmo ali? Não parecia possível.

Pensamos desesperadamente no que faríamos.

Nos despediríamos e diríamos que valeram os anos da juventude?

Em um canto pequeno e seguro dentro de nós,

Vimos que ainda restava um calor, uma luzinha,

Pequena, mas linda, cheia de brilhos coloridos,

Esperançosa como uma criança.

Reconhecemo-nos, aproximamo-nos e aceitamo-nos.

Diariamente afastamos as lembranças terríveis,

Enquanto aquele que nos uniu e reuniu nos olha de perto.

Até que sejamos inteiramente envolvidos pela luz maior,

Nos ajudando a dar as mãos, dar os beijos, dar as vidas.

Os pés na Terra, o coração sem limites.

Somos um vento no tempo e no espaço.

Depois daqui, sopraremos em outro lugar.

Sem a necessidade de sufocar ou reter.

Pois quem ama sempre volta voluntariamente.

Preciso ser quem sou; permita-me.

Eu desejo permitir a você também.

E assim quando estivermos juntos será o encontro de duas verdades.

Duas pessoas plenas, inteiras, amplas e livres.

Nenhuma amarra, visível ou invisível.

Nenhum peso na consciência.

Mas não por falta, mas pelo bom uso da mesma.

Liberdade não requer transgressão.

Prazer não requer pecado.

Superamos essa antiquada concepção.

Descobrimos que é possível ser feliz sendo santo.

Mais velhos, maduros, experientes, transformados, diferentes.

Mas ainda vivos, ainda nós.

Porém mais fortes, mais firmes, mais cientes.

Vamos nos puxar pela cintura e nos doar outra vez, adultos, responsáveis e cicatrizados.

Loucos para nos distrair, uma vez mais, apaixonadamente.

Erradores - pensando nossa condiçãoOnde histórias criam vida. Descubra agora