A gente leva décadas para descobrir a própria identidade, o que quer ser, ter e realizar, o que pensa e o que sente de verdade sobre cada assunto, não depender mais do outro para se reconhecer, saber o que enxerga no espelho e quando fecha os olhos, conseguir lembrar das oportunidades aproveitadas ou perdidas, das decisões tomadas, de cada escolha feita.
Finalmente algumas coisas fazem sentido. Identificamos um pouco de satisfação pelas superações e uma porção de arrependimentos e vergonha pelos erros e mal entendidos, os quais às vezes parece tarde para tentar explicar. Sem ilusões, não mentimos mais para nós mesmos. Quantas tentativas! Quantas esperanças! Quantas emoções envolvidas! E quando não há mais sonhos ou metas, quando o cansaço e a apatia tomam conta da alma, ainda sobra a nossa essência.
Um professor sem aluno, um pintor sem admirador, um médico sem pacientes, um líder sem uma equipe, um escritor sem leitores, um cantor sem plateia, um pai sem filho, um fotógrafo sem câmera, um viajante preso numa ilha, um hóspede para o qual as portas não se abrem. O exterior nega veementemente, mas o interior sabe. E em silêncio, sem testemunhas, o cantor ainda tem aquela voz, o fotógrafo aquele olhar, o pintor aquela luz e sombra, aquelas cores e texturas. Tudo está lá, vivo, rico, pujante, retido, trancado. No final da história, após as dores do processo, alguém pode perguntar como foi. E a resposta nasce de parto natural, sem anestesia: deu certo, me achei.
Talvez a maioria de nós esteja sempre buscando no outro a validação de quem somos, do que sentimos, pensamos, dizemos ou fazemos. Esperamos um elogio, um presente, um reconhecimento, um carinho. Quando dizemos "acho que não consigo", "não sou", "não mereço", esperamos ouvir "você consegue", "você é", "você merece". Muitas vezes pode parecer mentira ou exagero, mas uma parte nossa quer ouvir mesmo assim. Essa é uma das maiores fontes de frustração, quando olhamos para o lado e não vemos ninguém, ou quando ouvimos e recebemos o inverso do que nosso ego necessita; sentimo-nos desprezados, diminuídos pelo outro ou pela vida. Quando percebemos que não fazemos falta, e que nossa história não parece ser respeitada ou valorizada; quando as pessoas às quais nos dedicamos nos esquecem, e até mesmo a autovalidação some, é hora da validação sobrenatural de Deus, de ouvir e crer no que ele diz sobre nós.
Aprenda a viver livre da ideia de que o outro vai te dar o que você precisa ou te fazer feliz. Não se trata de amargura ou desconsolo, trata-se de maturidade emocional. Liberte o outro do peso das suas expectativas - mesmo porque ele não necessariamente conseguirá atendê-las - e preserve-se da dor da frustração. Longe da condescendência de colocar panos quentes sobre seus erros, mas, ciente deles e em busca do crescimento pessoal, dê a si mesmo o que precisa. Focando no que tem de bom, elogie-se, parabenize-se, leve-se para passear, compre flores para si mesmo e recompense-se.
Posso esperar que me deem o que quero, mas nem sempre saberão o que é importante para mim. Hoje eu quis uns mimos, mas não os tive. Esperei que as pessoas soubessem o que fazer, mas não souberam. Eu talvez saiba. Basicamente, proponho um equilíbrio: quando focar muito no outro, lembre-se de si; quando começar a pensar só em si, lembre-se do outro. O eu e o próximo, o material e o espiritual, o ter e o ser, a eternidade e o agora; todos os elementos em busca de perfeita harmonia.
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Erradores - pensando nossa condição
PoesíaComo alguém ousa propor que sejamos perfeitos? Errar é tão natural quanto respirar. Você até consegue prender o fôlego, mas não por muito tempo e não sem angustiante esforço. As falhas estão marcadas no nosso código genético tanto quanto nossas car...