A urgência e o preço

1 0 0
                                    

Aonde tem nos levado nossa urgência? A quem demos o direito de nos impor essa desenfreada maratona? Precisamos ir longe, mas precisamos chegar rápido – é o que todos dizem. Cada um desenvolve uma estratégia diferente, mas parece só haver um lugar no pódio, pelo menos somente um interessa. Ser vice é pior que ser nada, pensa a maioria. Será que a maioria é inteligente?


Porque inventaram o relógio? Não foi um tiro no pé? Em nossa loucura, o trabalho é nosso dia, nossa noite e nossos sonhos. Atendemos o celular particular falando o nome da empresa. Deixamos de enxergar a família, o outro e por fim, não vemos a nós mesmos.


Essa cegueira é tudo o que o sistema diz que eu preciso ser, que eu preciso fazer, que eu preciso provar. Tudo o que não sou eu, tudo o que esperam de mim. E segue-se uma prostituição profissional quase que generalizada. Qualquer vaga de qualquer concurso serve. Qualquer local ou linha de atuação serve. Desespero. Uma proposta ilícita serve. E então mais um engrossa as estatísticas que embasam o dito "todo mundo tem seu preço". Se isso for verdade, qual é o meu? Há alguma placa de vende-se em mim? Há em você? Em que momento a penduramos?


E a pressa continua ganhando da perfeição. Você respondeu depressa demais, aceitou rápido demais. Não pensou, não refletiu. Era preciso negar sua fé, sua ética, seu talento, sua vocação, seu chamado. Era preciso negar sua mãe, seu pai, seu filho. Era preciso passar por cima de outros. Você fez. Fez por você. Fez por egoísmo, para se autoafirmar. Era preciso ter mais, aparentar mais. Exibir. Ostentar. Ou talvez, era preciso comprar pão e pagar a companhia energética. Angústia, ansiedade. Você disse. Era falso, mas você sustentou. Um tapinha nos ombros, um sorrisinho que dizia "muito bem, entrou pra o nosso clube". Na primeira noite, a cabeça não repousava no travesseiro. Na segunda, com um pouco de esforço, relaxou. Na terceira noite, na quarta vez, no quinto zero, você já não tinha mais medo, nem culpa; e voltou o sono, e já não se importava mais. Mas você havia morrido e não se dava conta. No espelho um novo homem, irreconhecível. Mas quem se importa?


Um dia uma circunstância dirá que não havia tanta pressa. Em algum lugar perceberemos que não chegamos a lugar algum. Corremos em busca do vento, acumulamos e continuamos vazios. Estamos ocos e, no entanto, há muito peso. Rugas, dor, solidão. Onde estão todos? Luxo e ruina no mesmo quarto de hotel. Muitas luzes e você na escuridão. Elogios e a convicção de ser desprezível. O amor ofertado nunca existiu. Houve tamanha crença em uma porção de mentiras e uma amnésia voluntária em relação à fé dos tempos de menino.


É preciso voltar. Ainda guardam alguns segundos para você. Há alguém esperando, perto ou longe. E Alguém no alto, sempre. Para isso há urgência. Para isso não há preço. Corra.

Erradores - pensando nossa condiçãoOnde histórias criam vida. Descubra agora