As multidões, tantas vezes, seguem o que consideram ser um "deus servidor". Não têm intenção real de servir a Deus, mas certamente buscam exigir que Deus lhes sirva. Não comparecem às reuniões na intenção de oferecer algo a Deus - adoração, louvor, serviço e sobretudo a si mesmos no altar - mas sim em receber algo d'Ele. Quantos dentre a turba que seguia a Jesus efetivamente buscavam intimidade com Ele? Quantos estavam interessados no "Deus carpinteiro" e não apenas no "curandeiro" e "fazedor de milagres", do profeta que "disse tudo quanto tenho feito"?
Esperamos, a vida inteira, que as pessoas nos queiram. Lutamos para que nos amem. Nos esforçamos para nos encaixar em seus padrões, tantas vezes nos anulando, tão somente para que nos aceitem. Precisamos ter uma identidade, pertencer ao grupo. Precisamos do outro nos aprovando, nem que seja através de um olhar. Como nos sentiríamos se alguém nos buscasse pelas razões por que muitas vezes Deus é buscado? Alguém que buscasse nosso conhecimento e poder, nossa influência e habilidades, mas não a nós mesmos, como pessoas, pura e simplesmente porque se identifica conosco? Se queremos ser amados, por que pensamos que Deus se conforma em ser usado? Por que imaginar que Ele estaria satisfeito com isso? Um Deus que nos ensina a não fazer aos outros o que não queremos que os outros nos façam certamente gostaria que usássemos essa regra em nosso relacionamento com Ele.
Muitos se ligam a Deus agindo como uma pessoa interesseira, que escolhe com quem casar pelo saldo da conta bancária. Quanto mais dinheiro, mais atraente e interessante se torna aos seus olhos. Essas pessoas se unem a quem lhes possa dar boa vida, e a vítima será alvo não de amor, mas tão somente de um vínculo através do qual será espremida até sair a última gota de bênçãos. É uma via de mão única. Será criada uma aparência de fidelidade, mas em essência são fiéis somente a si mesmas. Deus não está interessado em consumidores, mas em filhos. Mais do que busca servos, deseja amigos.
Uma pessoa assim poderia trocar de deus a qualquer tempo. Se alguém porventura conseguisse provar que outra divindade é mais vantajosa, ou seja, cujo poder é maior ou mais disponível, não pensaria duas vezes em mudar sua escolha. É assim que muitos vendem a alma ao diabo, por deduzirem, equivocados num momento de desespero ou rebelião, que será mais útil ou fácil unir-se a ele que a Jeová. Outros unem-se a Deus por medo da perdição eterna, uma vez que comprometer-se com Ele significa morar em Sua casa, o céu, já com Satanás implica ter sua morada no inferno.
O Deus que é amor é também um Deus carente de amor. Não, não se trata de uma heresia. Deus busca amor, ainda que não dependa do amor. Ele se basta, mas ele opta por valorizar, querer e buscar o amor e o relacionamento, a amizade e comunhão íntimas com os seres humanos. Chega a afirmar em sua Palavra que dentre a fé, a esperança e o amor, este último é o maior.
Deus, nos mais altos céus, cercado de seres angelicais, parece ter se sentido, de certa forma, só. Ao criar Adão, o fez intencionalmente à sua imagem e semelhança. Não seria mais um anjo. Era preciso que fosse diferente. Seria, inclusive, dotado de livre-arbítrio, uma vez que poderia ser considerada questionável a sinceridade da amizade de um prisioneiro. Um amigo é livre para ir e vir, para partir ou ficar. Livre inclusive para desprezar os conselhos do outro que diz para não se alimentar da árvore que está no meio do jardim.
Deus é um Deus que, do alto de sua insondável sabedoria e completo poder, opta por se submeter a um diálogo improvável com Abraão tentando dissuadi-lo da ideia de destruir duas cidades. Tão aberto à amizade do homem que criou, que argumenta e contra-argumenta com um mortal. Trata-se de um Deus que defende seus amigos dos inimigos destes, que consagra bebês como Jeremias, fala com crianças como Samuel e unge adolescentes esquecidos como Davi. Alguém capaz de fazer amigos de todas as idades.
O Deus que eu vejo na Bíblia buscando Adão para conversar é um Deus que quer ser amado sem segundas intenções. Sobre o que falavam? Suponho que dividiam impressões e experiências, sentimentos e expectativas, e quão interessantes devem ser as histórias e a sabedoria de um Deus eterno - que revela coisas grandes e ocultas que não sabemos - e que quer conversar!
Em Adão, Abraão, Moisés, Jó e Jonas, vi um Deus que apreciava interagir. Fosse em visitas na viração do dia, através de uma sarça, de costas por traz da rocha, em inúmeras perguntas do tipo "onde estavas tu quando eu fiz tudo por aqui" ou em lições de amor evidenciando o contraste entre uma aboboreira e toda uma cidade. Por essa mesma razão tento imaginar sua tristeza em ver tantos que o buscam por interesse. Buscam o que ele tem para dar, mas não o que ele é. Quantos buscariam a Deus se ele oferecesse "só" sua amizade?
Considere um Deus maravilhoso, mas não poderoso. Ou poderoso, mas cujo poder não estivesse disponível para agir em nosso favor. Um Deus cujas orações nunca pudessem ser de pedidos, tampouco de agradecimentos, mas apenas de conversas comuns sobre o dia a dia. Você busca um amigo, na maior parte das vezes, não para pedir ou agradecer, mas somente para dividir. Contar seus problemas e alegrias, as novidades, lutas e vitórias. Buscar conselhos sábios, rir juntos, passear para aliviar o estresse, divertir-se e mesmo chorar no ombro, sem dizer uma palavra.
Não se trata de parar de pedir e, na verdade, nem conseguiríamos. Precisamos interceder por inúmeras causas e não há nenhuma objeção bíblica a isso; ao contrário, há incentivo. Por inúmeras razões isso é necessário e benéfico. Entretanto, essa não deveria ser a razão para buscarmos a Ele. A motivação principal, essencial e eterna deve ser o nosso amor a Ele, nosso encantamento por Seu caráter, nosso prazer em simplesmente estar em Sua presença. Isso poderia ser traduzido por aquele momento em que você não tem nada a pedir, mas ainda assim sente profunda necessidade de buscá-Lo, sente uma tremenda saudade de ouvir Sua voz, porque mesmo em silêncio, Sua companhia é a melhor coisa do mundo.
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Erradores - pensando nossa condição
PoetryComo alguém ousa propor que sejamos perfeitos? Errar é tão natural quanto respirar. Você até consegue prender o fôlego, mas não por muito tempo e não sem angustiante esforço. As falhas estão marcadas no nosso código genético tanto quanto nossas car...