Na infância, meus olhos brilhavam por certas coleções de brinquedos. As cores eram umas mais belas que as outras e eu desejei roupas e cabelos coloridos, sobretudo batinhas e vestidos indianos. Não demorou muito para que eu percebesse que o mundo levava mais a sério quem usava roupas monocromáticas e escuras, sobretudo no ambiente empresarial. Por quê? Não me faça pergunta difícil. E os cabelos? Descobri logo cedo que, no máximo, a sociedade toleraria tons de loiro ou ruivo, talvez por entender que soam verdadeiros ou naturais. E a menina cheia de cores apagou suas luzes, escondeu-se embaixo de produtos que não lhe representam, cabelos aceitáveis e comportamentos aprovados. Não, eu não queria transgredir ou ser rebelde. Não pretendia cometer nenhum crime, pecado ou ofender quem quer que seja. Mas essas e outras expressões da minha individualidade foram suprimidas pela identidade do grupo cultural no qual estou ou estava inserida. Em respeito, por sobrevivência e buscando aceitação, cedi. Ainda hoje, entretanto, me encanto ao ver em fotos antigas o que não encontro nas minhas gavetas, enquanto visto minha blusa preta com jeans.
Estava pensando, lembrando dessa colega. Éramos adolescentes, e ela usava sandálias vermelhas de plástico. Quando ela passava, chamava a atenção de todos para seus pés e eu sempre pensava na sua coragem de enfrentar os olhares e críticas e usar algo diferente, seguindo seu próprio estilo, sendo quem era. Eu não tinha isso, faltava-me esse tanto de personalidade. Então, para mim, não eram apenas sandálias vermelhas, era autoestima pura e destilada. Isso me lembra do dia em que, décadas depois, provei um vestido que teve o mérito de me fazer sentir bonita, o que sempre foi raro. Então eu realmente queria aquele pedaço de pano lindamente modelado, mas achei muito caro e optei por um mais barato, que não me fez sentir nem de perto algo especial. Me dei conta de que, no fundo, eu não achei que merecia, porque eu me sentia barata e não via como gastar tanto comigo. Não consegui usar as sandálias e nem me permiti comprar o vestido, e isso fala mais de mim do que eu imaginava. Todos precisamos nutrir amor próprio e isso independe da opinião dos outros. "Porque eu gostei". Para todas as coisas que não ferem as leis de Deus e dos homens, isso deveria ser suficiente. Ou não?
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Erradores - pensando nossa condição
PoetryComo alguém ousa propor que sejamos perfeitos? Errar é tão natural quanto respirar. Você até consegue prender o fôlego, mas não por muito tempo e não sem angustiante esforço. As falhas estão marcadas no nosso código genético tanto quanto nossas car...