O cinto

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Desde muito novinha, sempre tive um ar maternal. Eu queria proteger, orientar e estava sempre com uma postura de irmã mais velha, mais responsável, mesmo tendo a mesma idade dos demais membros do grupo. Daí eu era chamada para ser a líder, "xerife" ou conselheira. Ao ser colocada para falar para um grupo de adolescentes, sempre as chamava naturalmente de princesas. Meu esposo dizia que eram as minhas meninas. Víamos um livro, filme ou atividade e pensávamos em como podia abençoar minhas princesas, minhas meninas.


Daí ela chegou. De repente eu tinha uma em casa. Uma menina, uma princesa. E o peso de educar era tão maior do que eu jamais havia experimentado. Quando os filhos crescem, a gente faz como? Descobrindo, explorando, tentando... Bastou saber que a tinha em meu ventre para começar a entender melhor meus pais.


"Mamãe, eu coloquei o cinto", ela disse e eu consegui ler seus lábios, já que a janela do ônibus me impedia de ouvir. Hoje pela primeira vez minha filha dorme fora de casa, longe da família. Ela foi, eufórica, para um retiro infantil. E há uma família lá para ela. Mas o que me chamou atenção foi a frase sem som. Eu havia ensinado várias coisas sobre cuidados diversos e uma delas foi "use o cinto de segurança". Estou convencida que uma das formas de os pais estarem "lá" mesmo quando não estão são os conselhos, as lições de vida. E haverá muitos momentos em que ela estará "lá" enquanto eu estou aqui. A vida está só começando e ela não nasceu para ficar grudada na barra de minha saia. Eu preciso deixá-la ir. Mas não vou deixar de estar presente. Ela há de lembrar que eu ensinei a não roer unha, a não mastigar de boca aberta, a lavar as mãos depois de usar o banheiro. Lembrará de mim sempre que receber um presente para dizer "obrigada" e quando precisar passar para dizer "com licença". Sei que há uma fase em que a vontade é gritar coisas semelhantes a "eu te odeio", "nunca gostei disso" ou "agora sou livre para discordar de você"; mas no fundo do meu coração mantenho a esperança de estar fincando palavras com amor no íntimo de sua alma, para daqui a muitos anos ouvi-la ainda dizer: "mamãe, eu coloquei o cinto!"

Erradores - pensando nossa condiçãoOnde histórias criam vida. Descubra agora