Idiotas com um lugar no céu

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Há um mal espalhado pela sociedade moderna que muitas vezes recebe o nome de inteligência ou esperteza. Um mal que nos leva a fazer ou deixar de fazer algo por medo de sermos considerados idiotas.


Sobem idosos nos ônibus, mas os jovens sentados nas cadeiras reservadas não se levantam. Também não se levantam para as gestantes e para as pessoas com deficiência. Não são muito diferentes daqueles que recebem um troco a mais e não o devolvem, ou colam nos exames da faculdade porque sabem que o professor é distraído. Têm semelhança com a razão de muitos em não atender aos apelos de quem pede uma ajuda, ou com os que aceitam suborno para liberar um documento, uma vez que é algo rápido e teoricamente sem riscos de que alguém descubra.


Esses raciocínios parecem-se com os de quem passa a perna no colega de trabalho, tomando a promoção que seria merecidamente destinada a ele. São atitudes familiares às de quem fura fila, usa o cartão do outro nos estabelecimentos, superfatura obras, recorre a um pistolão para obter favores ou conta umas mentirinhas para tirar vantagem. Há histórias de pessoas, mesmo conhecedoras de Deus, que se corromperam enriquecendo ilicitamente, uma vez que a tentação foi grande e eles ignoraram o escape, porque não queriam escapar das vantagens que pareciam cair do céu. Nesse caso, subir do inferno.


Como é fácil arrumar desculpas mentais para os pequenos crimes, para os "pecadinhos" de cada dia! É tão simples dizer a si mesmo que todo mundo faz, que o mundo e a vida são assim mesmo, que qualquer outro em seu lugar faria o mesmo, que é sorte sua conhecer as pessoas certas. Assim se empurra a verdade para debaixo do tapete do engano.


Conheço histórias de pessoas que mesmo podendo ajudar se negaram, alegando que o outro ficaria "mal-acostumado". Ora, alguns ficam mesmo, mas os gatos escaldados de hoje vivem tendo medo de água fria, e de repente um justo pode pagar por um pecador. Ou seja, alguém a quem você nunca abençoou deixará de ser ajudado porque você, mesmo sem ter sinais claros disso, tem medo de ser enrolado. Quantos bens não têm sido feitos porque as pessoas pensam que dar algum dinheiro, dar o assento, dar amor, fará delas idiotas. Preferem ser egoístas e cruéis, mas jamais idiotas!


Talvez racionalizem, pensando que se fossem eles de pé ninguém lhes daria o lugar; se fosse sua esposa grávida, seus avós ou seus bebês, da mesma forma não se importariam. É como alguém que, indignado com um assassinato, resolve matar o assassino. Mas a questão aqui vai além: para se vingar do erro que alguém lhe fez você penaliza um outro alguém, que nada fez e ninguém garante que um dia lhe causaria dano. Além de tornar-se igual a quem fez o mal, porque quem dirá se o seu desafeto não foi igualmente movido por uma mágoa ou vingança anterior, atingindo você, na época um inocente?


Eu tive duas gestações e "fiz" barrigas enormes. Subia nos coletivos lotados e absolutamente ninguém me cedia o lugar. Afinal, quem era eu para ganhar esse favor? Apenas uma gestante imensa, pesada, temendo pelos solavancos e cotoveladas que levava na viagem, com as pernas doendo e que, por alguma razão, tinha o direito por lei de sentar-se ali. Quem sabe em sua autoindulgência, se justificassem internamente: "se vire; eu, jovem, saudável e não grávida vou continuar sentada aqui e vou olhar para sua cara como se não estivesse entendendo nada."


Exatamente porque sei como é ser ignorada em minhas necessidades e direitos, cedo até mesmo estando certa, para alguém que esteja por alguma razão precisando mais do que eu. Procuro segurar as pastas e sacolas dos que estão de pé. Devolvo o troco recebido a mais. A ideia é fazer tudo como "ao Senhor". Se em alguma situação eu perceber que estou sendo feita de idiota - que não há sinceridade no outro - posso parar, ele já teve ao menos uma chance.


Eu prefiro, se tiver realmente de escolher, ser idiota. Deus certamente prefere um idiota amoroso que um egoísta cruel. Fazer o bem não pressupõe que você é cego. Quem ajuda, cumpre suas obrigações ou obedece às leis, não é um crédulo estúpido. É uma pessoa consciente dos riscos de seus atos, que analisa as circunstâncias e estuda se o outro está sendo honesto ou não. Se os indícios apontam para a correção do outro, o bem deve certamente ser feito. Se há margem para dúvidas, mas há possibilidade de correção, ainda assim o bem deve ser feito. Até mesmo quando o outro "não merece", mas o bem é previsto em lei, dos homens ou de Deus, ele deve ser feito. Eu prefiro entrar no céu tendo sido chamada de idiota na terra, que ficar na terra sendo chamada de idiota no céu.

Erradores - pensando nossa condiçãoOnde histórias criam vida. Descubra agora