Por outros olhos

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Meu nome é Jhon Sanchez, e ainda sou criança.
Não entendo muito sobre a vida, ou sobre qualquer outra coisa.
Mas vejo e escuto tudo á minha volta.
Desde que me entendo por gente é assim, e posso dizer que já tenho acumulado muitas informações.

Mamãe por exemplo,  sempre foi muito estranha. Não me entendam mal, eu á amo, mas também tenho muito medo dela.  Confesso que me confundo um pouco. Tem horas que ela é muito carinhosa, tem outras, que é cruel.  Ás vezes seus gritos me deixam atordoado, ela torce meu braço, e ao mesmo tempo o beija. Sei que não faço nada, mas me sinto culpado se ela diz que sou.
Quando meu pai esta por perto, me abraça, faz carinho, e diz que sou seu amorzinho. 
Longe, não sou mais que alguém que precisa fazer o que ela que. 

Papai ao contrário é bonzinho o tempo todo. Ele tenta  constantemente me agradar, conhecer, e mimar. Quando conseguia, passa sempre um tempo comigo, mas no final, acaba fazendo o que a mamãe quer. E isso me chateia um pouco, porque ela SÓ quer , o que eu não quero.

Mas quando Lia chegou em casa,  ouvi Rosa dizer que tudo tinha virado de cabeça pra baixo. E acho que isso quer dizer que tudo ficou diferente.
Mas eu gostei das mudanças. Minha irmã era como uma fada madrinha. Tudo que ela fazia, me deixava mais feliz. 
(..)

Cresci ouvindo coisas do tipo: você não pode isso, não pode aquilo. Ou, não quero que faça isso.

Era muito triste, ver a  vida passar pela janela do meu quarto, sem poder fazer nada.

Na escola, ninguém queria chegar perto de mim. Os meninos me chamavam de mulherzinha e de pamonha. Já as meninas tinham dó de mim.

Mas a escola não era o pior. Meu real pavor eram as aulas de natação. 
Sempre que chegava lá, meus coleguinhas me prendiam no banheiro, me davam beliscões, me chutavam, e quando o professor não estava  perto da piscina, até tentavam me afogar. Roguei muitas vezes para que mamãe me tirasse dali, por conta disso, mas ela dizia que me faria bem. Pois cresceria como um homem.
Desejava implorar para que meu pai fizesse algo á respeito, entretanto, se eu chegasse a contar, poderia ter problemas, e eu não queria isso.
Sendo assim, me calei.

Só que eu ainda conversava com Deus, todos os dias. Sabia que ele poderia me ouvir. E foi por isso que lhe pedi um milagre.  E no meu caso deu certo, pois Lia apareceu.

Em pouco tempo aprendi que dizer não, poderia me proteger. Que eu poderia sim, expressar o que pensava. Também ganhei uma casa na árvore que eu adorava, pois conseguia ver o mundo de cima, não por meio de um vidro, e sim á cima da natureza.
Pude correr sem medo pelo jardim, sentir o vento e jogar bola. 
Conquistei o carinho, e o afeto do meu então, melhor amigo Duque. E o mais importante, Deus me deu alguém que me via de verdade. 
Eu sabia que minha irmã seria forte por mim. E aos poucos ela começou a me libertar. Eu não ficava mais apavorado vivendo naquela casa.  Até papai começou a se reconhecer, e a fazer algo á meu favor.

Por outro lado, mamãe não parecia feliz.
Ela surtou.
Constantemente  falava sozinha de frente ao espelho. Se batia e sussurrava coisas sem sentido. E toda vez que me levava para a casa dos Molina, eu a via escondida beijando o pai do meu amigo.
Será que eles estavam brincando?
A verdade é que eu não entendia nada. E tudo bem, porque por um período ela até parou de me perseguir, mas depois voltou á fazê-lo.
Seria isso coisa mãe? 
Ela dizia que sim. E até reforçava o ponto, falando que eram lições. 
Não gostava nada delas. 

Uma dia, eu tentei contar tudo que sentia e sabia para Lia, mas mamãe percebeu, e  como LIÇÃO, tirou uma parte de mim.
Não literalmente. 

Era de noite quando me levou até o portão, segurando Duque no colo. 
Chegando lá fora, ela o soltou no chão, e começou a tacar pedras nele. Com dor e assustado, meu cachorro fugiu. Eu chorava muito, e pedia para que parasse. Mas a única coisa que ouvi foi: Se contar qualquer coisa á alguém, isso acontecerá com você.
Então, mas uma vez me calei, e concordei em dizer que ele havia fugido por vontade própria.

E para pior tudo, meu escudo se desfez quando minha irmã foi embora.

(...)

Agora eu estava sentado e quieto, dentro de um barracão enorme e muito gelado.
Á minha frente, papai estava amarrado, e mamãe batia nesse com um pedaço de pau.
Ela gritava coisas como: Você tem que me amar, eu te amo. Porque você não me ama?
Era assustador.
O rosto do meu pai sangrava, ele tentava falar mais ela não deixava.

Eu só tinha vontade de chorar, mas não podia.
Fui advertido, á não fazer barulho, pois se não, apanharia.
E eu não queria ficar com dor, porque já estava com fome, sede e frio. 


(..)

Quando por fim, achei que não teria saída, fui surpreendido.

Em certo momento, em meio aquela confusão, houve silêncio.
Então, meu pai piscou para mim.

Mamãe começou a se acalmar.
Papai foi solto, e  á abraçou. 
Não pude me aproximar dele, porque havia um revólver entre nós. Igual aqueles dos filmes .

Me lembro também, que houve uma conversa, lágrimas, e um beijo.

Achei que aquele seria o nosso final feliz.
Só que não.

De repente, meu pai jogou a arma da minha mãe para longe. 
O lugar começou a ficar cheio de policiais. 

Tapei os ouvidos para não ouvir o barulho. 
E foi ai, que vi  os olhos da minha mãe. Ela estava perto.
Já meu pai vinha correndo atrás dela , enquanto gritava: NÃAAAO. 

E em um sopro, tudo ficou escuro. Meus sentidos foram se apagando.
E meus olhos, que antes viam tudo, se fecharam. 


MEU PADRASTOOnde histórias criam vida. Descubra agora