O décimo oitavo ato

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A fisiologia explica que logo após a laceração, o corpo inicia seu processo de cicatrização imediatamente, sempre tentando combater a hemorragia e manter a homeostase, visando a preservação do organismo, tentando garantir alguma sobrevida até reversão do quadro, ou em uma situação que não fosse possível, a morte. Sasuke sentia, além da dor excruciante, suas mãos quentes, como se estivesse segurando brasa sobre os machucados abertos. Era parte do processo inflamatório fisiológico que vinha ocorrendo.

Suas mãos estavam dilaceradas, e ele só precisava que aquela dor o deixasse, ou ficasse inconsciente de uma vez e acabasse morrendo no processo para nunca mais precisar sentir tamanha agonia. O corpo não parava de tremer, ele estava se tornando gelado a cada minuto, e um calafrio além-mundo lhe apossou, em claro contraste com as bolas de fogo nas mãos. Elas ainda tremiam e as bordas dos machucados se chocavam contra o bisturi por conta da contração involuntária, mantendo constantemente a sensação dolorosa.

Os olhos pesavam um pouco mais a cada segundo, Sasuke agora via tudo em duplicata, se tornando aos poucos incapaz de distinguir onde estava, e era tomado por um frio que nenhum cobertor no mundo seria capaz de amenizar, era algo que não vinha deste lado da vida. Não sabia se aquela era a sensação antes da morte, mas não lutou contra o véu negro que veio em sua direção, envolvendo seu corpo.

Porque foi a partir dele que sentiu suas dores se distanciando, e um conforto eterno lhe apossando, trazendo paz para seu corpo cansado. Era uma sensação tão boa, acolhedora como os abraços de Mikoto, e os inúmeros abraços que ela lhe dera durante a vida. Talvez Sasuke tenha visto a silhueta da mãe antes de seus olhos se fecharem, e caminhou de encontro à ela.

...

De acordo com o dicionário, "instinto: impulso inato que faz com que um ser humano, ou qualquer outro animal, se mova inconscientemente buscando sua própria sobrevivência: instinto de conservação".

Onde estava? Em um lugar escuro, ou apenas era incapaz de abrir os olhos? Não conseguia perceber com delicadeza, mas havia a sensação de que estava sendo abandonado pelo acolhimento de instantes antes, quando – que por milagre -, até mesmo suas mãos pararam de doer, o que lhe parecia impossível até antes. Era como se estivesse caminhando nos limites entre a vida e a morte, e quando o conforto era maior, sabia que estava pendendo para a passagem que todos deveriam fazer.

Ao mesmo tempo sentia algo o mantendo naquele porão que agora cheirava a poeira, ferro, sangue, e fluídos corporais que não eram mais controlados. Sasuke quase podia escutar Mikoto o confortando, acarinhando seus cabelos e dizendo que tudo ficaria bem, não tinha motivos para se preocupar, além de continuar descansando. Ele podia fechar os olhos e se deixar pela boa sensação, pelo carinho por parte dela e assim tudo ficaria bem, nenhum mal lhe alcançaria.

Mas enquanto era confortado, alguma coisa em seu peito batia forte dizendo que ainda não era a hora, que ele precisava se soltar daquele embalo gostoso e lutar mais uma vez, por pior que pudesse ser. Com a premissa de que sofreria um bocado, teria de lidar com dores quase intermináveis, um trauma que poderia lhe deixar louco, e algo maior que circulava em seu sangue, mas precisava lutar.

Não era a hora de ir embora ainda.

Então como em um efeito dominó, um retumbar começou bem devagar e baixo, pouco intenso, lembrando muito uma ilusão. Sasuke ainda estava se desprendendo a contragosto dos braços acolhedores de Mikoto quando foi então abraçado pela dor pulsante mais uma vez, tão diferente do calor que estava sentindo, parecia que só aquele abraço era capaz de apaziguar o frio que lhe envolvia o corpo, como se fosse do outro mundo, da mesma forma que aquela sensação gelada.

Mas enquanto ele parecia caminhar em direção ao que deveria ser aquele ritmo parecido com um batimento cardíaco, podia ouvir algo de fundo, palavras desconexas, talvez gritos, não era possível distinguir com clareza, até mesmo as vozes pareciam diferentes, como se fosse mais de uma pessoa. E era estranho, parecia estar caminhando em uma estrada completamente escura, para se encontrar com um ponto onde um retumbar o chamava, e no que deveria ser o céu havia algumas vozes, talvez... Passadas? Acima de sua cabeça?

O AnestesistaOnde histórias criam vida. Descubra agora