Capítulo 14

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"Há um tempo em que é preciso abandonar as roupas usadas, que já tem a forma do nosso corpo, e esquecer os nossos caminhos, que nos levam sempre aos mesmos lugares. É o tempo da travessia: e, se não ousarmos fazê-la, teremos ficado, para sempre, à margem de nós mesmos."
Fernando Teixeira de Andrade

Após conversar na recepção do hotel e incluir o nome de Bianca como hóspede junto a ele, subiram para o quarto em silêncio.

Vicente a manteve protetoramente em seus braços, tentando evitar pensar no que havia acontecido.

Já na privacidade do quarto, deixou sua mochila em um canto e se voltou para ela.

— Já jantou? — Bianca negou com a cabeça. — Vou pedir para servirem...

— Obrigada, mas estou sem fome — o interrompeu com a voz baixa.

— Que tal um banho? — Ela assentiu, pois realmente precisava tentar relaxar, e uma ducha poderia ajudar naquele processo.

Enquanto ela estava trancada no banheiro, Vicente andava de um lado para o outro — ora passando a mão pelos cabelos, ora pela barba que começava a crescer —, rangendo os dentes enquanto sentia a raiva percorrer suas veias como um ácido.

Não queria pressioná-la a dizer o que havia acontecido ou quem a tinha agredido, mas não saber estava acabando com sua sanidade. Uma pontada na cabeça o obrigou a fechar os olhos, e imagens de um homem que nem conhecia sobre Bianca, a agredindo, surgiram em meio aos pensamentos perturbadores.

Havia sido por sua causa.

Nada tirava aquilo de sua cabeça. Era a única explicação para toda aquela angústia que sentiu desde o momento em que a deixou em frente sua casa. Bianca havia pago o preço sozinha, por uma coisa que ele também teve culpa. Talvez até mais que ela.

Estava prestes a surtar quando ouviu o chuveiro sendo desligado, e pouco depois, ela surgiu vestindo uma camiseta larga e uma calça de moletom cinza.

— Quem fez isso com você? — Não conseguiu se conter e soltou a pergunta assim que seus olhares se encontraram. A marca vermelha em seu rosto já quase não aparecia mais, mas o lábio ainda apresentava um pequeno inchaço. — Bianca, quem fez isso? — insistiu quando ela desviou o olhar.

— Não importa. São só mais algumas marcas para eu carregar. As piores, as mais profundas, ninguém pode ver, mas tenho que lidar com elas constantemente. Essas aqui não são nada em comparação.

— Foram seus irmãos? — Se aproximou com cautela, segurando seu queixo para forçá-la a encará-lo. — Dime, corazón.

— Meus irmãos, meu pai, minha mãe... Todos eles, Vicente! — Se exaltou, se afastando de seu toque quando as lágrimas queimaram seus olhos. — Todos eles me machucaram a vida toda, cada um ao seu modo. Me fizeram de saco de pancadas, me obrigaram a aprender a resistir, mas eu não quero mais isso! Eu não quero mais resistir às pancadas e agir como se estivesse tudo bem. Não está tudo bem! Eu aguento, mas não quer dizer que não dói, porque dói, Vicente. Só eu sei o quanto dói. — Fungou. —  Eu quero viver. Será que é pedir demais? — gritou, desabafando o que a sufocava, enquanto lágrimas grossas vertiam por seu rosto. — Não suporto mais viver com medo. Não suporto mais ter que me esconder até para trabalhar! Eu quero uma vida normal, mas o que me restou agora? — Se virou para ele e abriu os braços. — Eu não tenho onde morar, estou completamente sozinha e não sei nem por onde começar. — A voz tremeu e a garganta apertou a ponto de sufocá-la. Vicente se aproximou quando notou que ela desabaria em prantos e a puxou para o calor de seus braços. Em seu peito, Bianca deixou todos os sentimentos saírem em forma de lágrimas, enquanto o choro agoniado externava sua exaustão. — Tenho medo de ter me habituado à gaiola, a ponto de não saber o que fazer com minha liberdade — murmurou em meio às lágrimas.

Vivendo Um Sonho [Desejos Ardentes - Livro Três] - CONCLUÍDAOnde histórias criam vida. Descubra agora