🦋 Capítulo 5.1

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No princípio, tudo era cores. Vermelho, azul, verde, amarelo, violeta... Como se fossem pequenos sóis irradiando seus fachos sem pudor, as pessoas ao meu redor transitavam alheias à minha condição, enquanto eu tentava me agarrar a qualquer âncora que me permitisse manter a sanidade e entender o que havia de diferente comigo. A verdade era que eu vivia afogada em um arco-íris.

Demorou até eu perceber que nem todo mundo via o mundo da mesma forma que eu. Meu pai passou um bom tempo ignorando qualquer sinal de anormalidade em mim, seja por não perceber ou simplesmente por não querer acreditar. Até que chegou um dia em que aconteceu algo sério demais para até mesmo ele, no alto de seu ceticismo, ser capaz de negar.

Morávamos numa pequena comunidade rural, num dos distritos que rodeiam a cidade de Esmeraldina. Como homens e mulheres do campo, havia um certo senso de comunidade e laços implícitos entre os moradores daquela região, que cumpriam uma variedade de ritos quase que instintivamente, sem nem sequer refletir ou pestanejar.

Foi atendendo a um desses costumes que eu fui obrigada a acompanhar meu pai numa visita. Uma comadre estava doente, acamada, e esperava-se que os vizinhos aparecessem para demonstrar sua preocupação ou para oferecer apoio naquele momento difícil. Eu devia ter por volta de sete anos naquela época e apenas fui puxada pela mão em direção ao casebre humilde de madeira, residência da mulher enferma, não muito longe de onde morávamos.

Chegando lá, fomos recebidos pelos familiares da moribunda e logo nos conduziram até o quarto, onde a mulher de aparência debilitada repousava em uma cama e tremia com uma febre que nunca ia embora. Tudo ia mais ou menos bem até o momento em que meu pai se aproximou da cama, segurou a mão da enferma e a cumprimentou. Naquele instante, a mulher abriu os olhos e foi como se ela tivesse aberto as entradas de um poço profundo, repleto de trevas, que logo se espalharam com velocidade, como fumaça, e ocuparam todo o espaço do quarto.

A cor preta era a pior de todas as cores. Na verdade, nem cor ela era, tal qual a professora do primário uma vez nos explicara. Preto é a ausência de luz e não havia definição melhor para descrever aquilo que aquela mulher de olhos de chaminé emanava. Aquela também era a cor da morte, algo que eu simplesmente entendia desde muito cedo, sem que ninguém nunca tivesse precisado me ensinar.

— Ela vai morrer — eu anunciei, definitiva, em alto e bom tom, sem pensar muito bem no que eu estava fazendo e atraindo olhares indignados em minha direção.

— Perdoem essa garota malcriada — meu pai se apressou em me interromper, seu olhar furioso revelando que eu me metera em uma grande encrenca, mais uma vez.

Apenas dei de ombros e fui esperar sentada no sofá da sala. Minutos mais tarde, após uma despedida adiantada, meu pai apareceu e me arrastou pelo braço de volta para casa, enquanto me aplicava um interminável sermão, condenando meu comportamento questionável. "Que falta de respeito brincar com uma coisa dessas!", ele dizia. "A comadre logo se recuperará, isso é doença boba, coisa nada!".

No dia seguinte, no entanto, para a surpresa de meus familiares, recebemos a notícia de que a mulher doente havia falecido, assim como eu previra.


***


Depois do velório e do enterro da mulher de olhos de chaminé, meu pai me puxou pelo braço até o quarto de casal humilde, onde ele e minha mãe dormiam. Mamãe estava sentada na cadeira de fio, ao lado da janela, com agulha e barbante no colo, fazendo crochê, seu passatempo favorito.

— Essa garota não é normal!!! — meu pai me acusou, indignado, como se esperasse por uma justificativa ou explicação daquela que havia me carregado no ventre por nove meses. Mamãe, porém, apenas olhou para mim e sorriu, voltando a se concentrar em seu trançado de fios e ignorando meu pai completamente.

O Clube da Lua: Laços Antigos (Contos / Livro 1.5 ✓)Onde histórias criam vida. Descubra agora