Fiquei encarando minha mãe em silêncio, por alguns segundos, ainda confusa.
— Mas e o meu pai de agora? — finalmente perguntei. — Por que vocês ficaram juntos então?
— Seu pai de agora sempre tinha demonstrado interesse por mim, embora eu nunca tenha correspondido — ela explicou. — Éramos apenas bons amigos, vizinhos. Mas, quando a notícia de que eu havia ficado grávida de um desconhecido se espalhou pelas redondezas, ele não demorou a aparecer na casa dos seus avós, onde eu morava...
— E o que ele queria? — indaguei, ainda sem entender.
— Ele falou que criar uma criança sem pai era muito difícil. Disse que gostava de mim e me ajudaria se eu o aceitasse. Então ele pediu minha mão em casamento e foi assim que acabamos juntos — revelou ela. — Meses depois, seu irmão Samuel nasceu e seu pai de agora o registrou como filho dele no cartório da cidade.
— Mas e eu? E o Beto? — eu quis saber, confusa.
— Você e seu irmão mais novo foram frutos da minha saudade — mamãe afirmou, enigmática. — Eu me esforcei para gostar do seu pai de agora, retribuir os sentimentos dele e tudo o que ele tinha feito por mim e esquecer o seu pai de verdade. Funcionou por um tempo. Até que...
— Até que??? — eu a estimulei, ansiosa para que ela continuasse.
— Até que a falta dele ficou grande demais pra eu ignorar — confessou ela. — É como eu te disse antes, Teresa. Seu pai de verdade mexeu em alguma coisa aqui dentro de mim e eu nunca mais fui a mesma depois daquele dia de São João. Eu conseguia ignorar por um tempo, mas a saudade ia chegando aos pouquinhos, sorrateira, desavisada, tal qual uma lagartixa que se aproxima de um mosquito, como quem não quer nada, apenas esperando o momento certo pra abocanhar sua presa. Era assim comigo — ela explicou. — De tempos em tempos, eu ficava doente de saudades dele.
— E como você fazia pra sarar, mamãe?
— Só tinha um remédio no mundo para aquela doença — ela comentou, sorrindo. — Eu esperava seu pai de agora pegar no sono e fugia de mansinho. Montava na bicicleta e saía procurando por algum baile nas redondezas. Quando eu achava algum, ficava num canto, quieta, esperando, torcendo pra que ele aparecesse.
— E funcionava? — indaguei, incrédula.
— Na maioria das vezes não, então eu apenas voltava pra casa, com o coração apertado. Mas teve um dia que deu certo. Teve um dia que ele apareceu.
— E aí você falou pra ele que o Samuel tinha nascido, certo?? — mencionei, ansiosa.
— Não tive tempo — ela me interrompeu. — Seu pai de verdade me tirou pra dançar outra vez e não parou até que já fosse tarde demais. Do mesmo jeito que ele veio, ele se foi. Sem que eu tivesse a chance de falar qualquer coisa. Mas a saudade tinha sido resolvida, já que ele havia deixado um pedacinho de si mesmo aqui, comigo — ela comentou, docilmente.
— Um pedaço dele?? — eu estranhei. — Que pedaço era esse???
— Você, Teresa — ela me respondeu, calmamente. — Ele me deixou grávida de você. Seu pai de agora não desconfiou de nada no começo. Achou que você tinha sido feita por ele e ficou contente. Foi apenas quando seus olhos clarearam que ele passou a ficar um pouco desconfiado, mas nunca chegou a falar nada, até hoje. Porém não acabou por aí — prosseguiu ela. — Chegou um dia em que a saudade do seu pai de verdade voltou com força total e tudo aconteceu outra vez. Foi assim que seu irmão Roberto também veio ao mundo, um pouco depois de você. Vocês três são todos filhos do mesmo pai.
— Mas e depois do Beto, mamãe? — perguntei. — Você não sentiu mais saudades?
— Muitas, minha filha — ela confirmou. — Você não sabe o quanto. Mas eu já fui em dezenas de bailes, mais do que eu consigo contar, e seu pai de verdade nunca mais apareceu — ela comentou, entristecida. — Não sei se ele se cansou de dançar comigo, ou se apenas partiu pra alguma outra terra distante. Mas alguma coisa aqui dentro de mim me diz que ele não vai mais voltar. Que a noite em que fizemos o Roberto foi de fato a nossa última vez juntos...
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O Clube da Lua: Laços Antigos (Contos / Livro 1.5 ✓)
FantasíaExistem datas simbólicas que carregam consigo uma série de significados ocultos e que são muito mais do que meras celebrações ou festividades. Nessa coletânea de contos, acompanhamos personagens marcantes de "O Clube da Lua e a Flor Cadáver" revisi...