🩸 Capítulo 1.1

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A única maneira de manter meus fantasmas sobre controle era enfrentá-los de tempos em tempos e me certificar de que eu ainda era capaz de ignorá-los. Por isso havia me forçado até aquele local mais uma vez, por mais desconfortável que aquela experiência pudesse ser.

A sala de espera mantinha a decoração usual, com revistas espalhadas displicentemente sobre a mesa de centro, cercada por poltronas macias que afundavam quando você sentava nelas, passando a falsa sensação de proteção e segurança — algo que eu estava longe de experimentar a cada vez que me via obrigado a visitar aquele espaço. As cortinas leves de algodão cumpriam seu papel de filtrar a luz fraca do sol naquele fim de tarde e harmonizavam com o restante dos móveis, que eram poucos e em diferentes tons de cinza e branco. Tudo muito minimalista e discreto, assim como o dono daquele lugar.

Não havia nenhum funcionário para recepcionar os clientes. Devido à natureza especial daquela clínica, o atendimento era combinado diretamente com o proprietário e os visitantes sabiam bem como proceder. Era só chegar no horário marcado e esperar. A menos que você fosse o príncipe dos vampiros. Nesse caso, bastava abrir a porta que levava até a sala de consultas e entrar despretensiosamente, sem se preocupar em ser repreendido.

— Vossa majestade como sempre muito apressada — disse, com um sorriso, o homem sentado na poltrona do outro lado da sala.

— Apenas ansioso por revê-lo, doutor Edgar — respondi, enfatizando o "doutor" com um leve tom de deboche.

— Ora Leo, deixe as formalidades de lado antes que eu te expulse daqui com um chute no traseiro! — brincou ele, pondo-se de pé.

— Você que começou me chamando de "majestade" — fiz questão de frisar, antes de envolver meu interlocutor num abraço apertado.

Edgar não era tão alto quanto eu, mas tinha altura o suficiente para que eu pudesse beijá-lo nas maçãs do rosto sem esforço. O peculiar cheiro de camomila, que emanava de seus cabelos castanhos, logo invadiu minhas narinas, apaziguando minha ansiedade. Aquele era um dos muitos dons de meu amigo, e um que muito lhe era útil em sua profissão de psicanalista.

— Você sabe que não precisa demorar tanto tempo para me procurar, não sabe? — Edgar frisou com cuidado, a preocupação visível em seu olhar.

— Sim, eu sei... Mas essa foi a melhor maneira que encontrei para lidar com tudo isso. Agendar uma consulta, vir até seu consultório no horário estipulado... De alguma forma, todos esses rituais facilitam o meu processo para lidar com... certas coisas... — respondi com franqueza.

— Você sabe que não é assim que a terapia funciona, Leocaster... ­— ele me repreendeu. — Tenho certeza de que poderíamos fazer um esforço conjunto, nos reunindo todas as semanas, esmiuçando tudo isso que você guarda aí dentro... Eu poderia te ajudar de uma maneira muito mais efetiva — Edgar reforçou, com o olhar fixo no meu. — Esse fardo que você carrega... Não precisa ser tão pesado. Você não precisa lidar com isso sozinho.

Respirei fundo e me controlei para não revirar os olhos. Edgar era um homem bom e só queria meu bem. Mas, todos os anos, nós tínhamos exatamente essa mesma conversa e eu apenas não estava disposto a me desgastar com as incansáveis propostas dele para que eu levasse a terapia a sério. Não quando eu tinha outras coisas mais importantes para discutir.

— Veja bem, Edgar, eu não quero ser desrespeitoso contigo — respondi, finalmente. — Sei que és meu amigo e que posso confiar em ti. Mas quantos anos fazem desde que eu te transformei em um vampiro? Trinta? Quarenta?

— Falta pouco para completar meio século — ele corrigiu, em um tom sério.

— Cinquenta anos... — eu repeti, refletindo. — Eu já vivi mais do que o triplo disso... E sinto que há coisas que só o tempo pode ensinar a um vampiro...

O Clube da Lua: Laços Antigos (Contos / Livro 1.5 ✓)Onde histórias criam vida. Descubra agora