Vi a senhora da floresta dar as costas para mim e sair do ginásio acompanhada de sua matilha. Peguei meu celular em minha bolsa e verifiquei no visor que faltava pouco para as dez horas. Pelas minhas contas, os três dias desde a noite do meu ritual se completariam assim que o relógio marcasse meia-noite. Olhei mais uma vez para Eleonora, distraída na plateia, e tive certeza do que eu precisava fazer. Desci do palco discretamente e procurei uma das saídas de emergência do complexo esportivo, para não correr o risco de cruzar com nenhum conhecido. Tão logo cheguei na rua, acenei para um dos táxis que costumavam ficar parados por ali e embarquei, indicando que ele me levasse para casa.
— Vai mais rápido, moço, por favor — pedi ao motorista, assim que o carro se pôs em movimento. — É uma questão de vida ou morte.
O homem ao volante pareceu compreender a importância da missão que eu tinha pela frente e pisou no acelerador, sem questionar. Meus pais me ligavam insistentemente, mas apenas recusei as chamadas e desliguei meu telefone. Em menos de dez minutos eu estava em frente à minha residência e, por isso, fiz questão de dar uma boa gorjeta para o taxista assim que desci do veículo. Mal entrei em casa e já corri para o meu quarto, procurando a mochila com as sobras dos ingredientes do ritual, que eu havia deixado jogada num canto qualquer. Olhei rapidamente os itens que estavam em seu interior e suspirei, desapontada ao perceber que havia menos coisas do que eu me recordava.
— É o que tem para hoje — repeti para mim mesma, sem estar disposta a perder nem mais um segundo sequer.
Saí de casa, coloquei a mochila nas costas e montei em minha bicicleta. Assim que comecei a me mover, senti um vento mais frio que o de costume e reparei nas nuvens que se amontoavam acima de mim. Uma tempestade parecia estar a caminho, para o meu infortúnio. Procurei não me preocupar com aquilo e passei a pedalar ainda mais rápido. Cerca de trinta minutos depois, quando as primeiras gotas de chuva começavam a cair, cheguei no mesmo ponto da rodovia, onde a trilha para a floresta começava. Escondi a bicicleta num arbusto mais uma vez e me embrenhei na mata, sendo acompanhada pela chuva, que agora já desabava do céu com força.
Logo o tecido do vestido que eu tanto havia idealizado estava todo ensopado. Continuei me movendo com dificuldade pelo terreno, agora lamacento, sem nunca desanimar. Precisava encontrar aquela maldita bifurcação. Precisava colocar um ponto final naquilo tudo antes que fosse tarde demais. Era isso que eu continuava repetindo para mim mesma como combustível para seguir adiante. Conforme me aproximava do meu destino, porém, passei a ouvir sons ao meu redor, me fazendo perceber que não estava mais sozinha. Logo um cão selvagem, igual àqueles que eu havia visto no ginásio da escola, surgiu diante de mim, bloqueando a minha passagem.
— Você não vai me assustar! — declarei, em voz alta. — Eu preciso seguir em frente!
O cão continuava me encarando, rosnando e mostrando as presas, um claro aviso do que ele faria caso eu ousasse avançar em sua direção. Olhei ao meu redor e vi um pedaço de madeira caído no chão, provavelmente oriundo de um galho partido de alguma daquelas árvores. Segurei-o com firmeza, usando as duas mãos, e dei alguns passos adiante naquela trilha. Como já esperava, o cão avançou sobre mim, mas consegui ser mais rápida e atingi com força uma pancada em sua cabeça, fazendo o animal cambalear e cair. Aproveitei-me daquela abertura e corri com todas as forças, floresta adentro, sem olhar para trás.
Conforme me movimentava, os galhos dos arbustos pelo caminho laceravam minhas roupas e minha pele. Logo o vestido, outrora branco como algodão, tinha se tornado completamente irreconhecível, despedaçado e sujo de lama. Não foram poucas as vezes que tropecei e caí naquele terreno irregular, mas, mesmo assim, não desanimei. Eu apenas me levantava e seguia adiante, um passo de cada vez. Eu precisava conseguir. Eu não tinha outra escolha. Para meu alívio, demorou apenas mais alguns minutos até que eu chegasse à já familiar bifurcação na trilha lamacenta. Também comemorei o fato de a chuva ter dado uma trégua; aquilo seria fundamental para dar prosseguimento ao meu plano.
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O Clube da Lua: Laços Antigos (Contos / Livro 1.5 ✓)
FantasyExistem datas simbólicas que carregam consigo uma série de significados ocultos e que são muito mais do que meras celebrações ou festividades. Nessa coletânea de contos, acompanhamos personagens marcantes de "O Clube da Lua e a Flor Cadáver" revisi...