A voz de Edgar, ao longe, foi aos poucos me despertando de meu transe hipnótico e me fazendo retornar à realidade. Quando finalmente recobrei a consciência, encontrei meu amigo sentado diante de mim, segurando uma caixa de lenços para que eu pudesse secar as lágrimas que ainda insistiam em cair.
— Como se sente? — ele perguntou.
— Destruído — respondi. — Mas, por mais sem sentido que isso possa parecer, também me sinto de certa forma aliviado...
Edgar havia conseguido visualizar toda a minha regressão, graças ao laço hipnótico que havíamos estabelecido com nossos poderes de vampiro. Ainda assim, ele fez questão de se assegurar de que aquela experiência terapêutica havia de fato terminado sem consequências negativas para mim.
— As coisas aconteceram de maneira diferente do que você se recordava? — ele questionou.
— Não exatamente.... Talvez eu não me lembrasse com tanta riqueza de detalhes, mas é como você mencionou antes de começarmos... Fui capaz de enxergar esses acontecimentos com outro olhar agora.
— Você se importaria em elaborar melhor suas conclusões? — Edgar pediu, retomando o tom do psicanalista dedicado desempenhando o seu trabalho.
— Foi tudo uma sequência de erros bobos, sabe? — expliquei. — Tudo aquilo era tão novo para mim! Eu era um mero garoto... E apenas calhou de eu estar no lugar errado, na hora errada... O fato de eu descobrir sobre o aniversário de Mariana justamente na noite em que visitei o covil das Gárgulas... Não fosse por isso, tenho certeza de que eu jamais tocaria naquela pedra... Mas eu queria tanto impressionar aquela moça que só coisas boas me proporcionara... Eu era inexperiente, era a primeira vez que eu vivia algo do tipo...
— Sim, você era apenas uma criança — Edgar pontuou. — E me alegro em saber que você está começando a levar isso em consideração.
— Isso não diminui a gravidade da situação, no entanto — contestei. — Tampouco ameniza a dor que eu ainda sinto toda vez que o calendário me mostra que estamos perto dessa data...
A data a que me referia era a do aniversário de Mariana, que, no ano daquela tragédia, por coincidência nefasta, caíra em um domingo.
— O objetivo de tudo isso nunca foi fazer você se esquecer, ou dar menos importância — argumentou Edgar. — Mas é chegada a hora de encarar esse trauma de frente e aprender a lidar com ele, conviver com ele. Você já fugiu demais, Leocaster.
— Sim, tens razão — concordei. — E sei que nunca seria capaz de esquecer, mesmo que pudesse. De toda forma, o que aconteceu naquela fazenda foi um crime grave demais para cair no esquecimento... Existem muitas pontas soltas para resolver antes dessa história finalmente terminar.
— Pontas soltas? — Edgar perguntou, intrigado. — Não sei se estou acompanhando o seu raciocínio, Leo...
— Acho que nunca serei capaz de retribuir tamanha ajuda que me destes aqui, hoje, Edgar — prossegui, alheio ao comentário dele. — Durante toda minha vida precisei lidar com a culpa pelo que tinha acontecido naquela ocasião. Talvez por eu ainda ser um garoto imaturo, todas essas lembranças se solidificaram em minha memória exatamente da maneira como as interpretei naquela época. Eu nunca cheguei a analisa-las friamente, à luz da razão e do conhecimento que possuo agora. E hoje eu fui capaz de fazer isso.
— Prossiga, por favor — pediu Edgar, interessado.
— Não é possível que você também não tenha percebido algo de estranho! — mencionei. — Não faz sentido nenhum, entende? Nada do que aconteceu. E só agora eu consigo enxergar! E acredito veemente que, se alguém deva ser responsabilizado por todas aquelas mortes, esse alguém não sou eu, tampouco são as Gárgulas.
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O Clube da Lua: Laços Antigos (Contos / Livro 1.5 ✓)
FantasyExistem datas simbólicas que carregam consigo uma série de significados ocultos e que são muito mais do que meras celebrações ou festividades. Nessa coletânea de contos, acompanhamos personagens marcantes de "O Clube da Lua e a Flor Cadáver" revisi...