🐺 Capítulo 3.1

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O barulho dos caminhões que seguiam pela rodovia já havia se convertido na trilha sonora daquele estabelecimento, se juntando ao som das conversas descontraídas e das antigas canções sertanejas que o gerente do lugar insistia em sintonizar no rádio. Aquele era o ponto de encontro de motoristas e trabalhadores rurais que iam e vinham de Esmeraldina todos os dias, famoso pelo café pingado e pelo misto quente feito na chapa que, segundo os proprietários orgulhosos do local, era o melhor de toda a região. Segui meu pai salão adentro, até que ele escolhesse uma das mesas disponíveis, ao lado da janela, permitindo-nos observar a paisagem bucólica enquanto esperávamos. Estava perdido em meus pensamentos, ainda sonolento por ter acordado tão cedo, quando uma voz angelical despertou minha atenção.

— Bom dia, como posso servir os senhores?

Rapidamente virei meu rosto em busca da dona daquelas palavras e logo me deparei com uma jovem atendente, que nos encarava, despreocupada, com olhos que pareciam sorrir.

— Um café preto, sem açúcar para mim — pediu meu pai. — E você, meu filho, o que vai querer?

— Ahn... Vocês tem chá? — foi o máximo que consegui balbuciar, ainda encantado com a beleza da garçonete.

— Chá? — ela riu. — Não costumam pedir isso por aqui, mas creio que deve haver uma caixinha de erva mate em algum lugar na cozinha.

— Pode ser — assenti, retribuindo o sorriso. Ela apenas anotou os pedidos no talão de comandas e logo retornou para detrás do balcão do restaurante.

— Feche a boca — provocou meu pai. — Daqui a pouco vai pingar na toalha se continuar babando desse jeito.

Apenas sorri ao ouvir aquele comentário e não disse mais nada, torcendo por dentro para que fosse a mesma moça que viesse trazer nossos pedidos.

— Você entende que o que estamos prestes a fazer é algo muito sério, não entende? — meu pai perguntou.

— Claro, pai — confirmei. — Você repetiu isso um milhão de vezes antes de virmos para cá.

— Então esquece essa garçonete e se concentra, porque eles já devem estar chegando. Agora não é hora de ir atrás de rabo de saia.

Apenas resmunguei e dei de ombros, pois sabia que não adiantava discutir com o meu velho. Não quando o assunto envolvia os lobos. Meu pai podia ter todos os defeitos do mundo, mas eu não conhecia nenhuma outra pessoa que fosse tão dedicada à nossa alcateia quanto ele era. Prova disso é o quanto ele repassara comigo todas as instruções para o encontro que estava prestes a acontecer. Em alguns segundos, estaríamos cara a cara com o Grande Lobo, e eu não estava nada animado para descobrir o motivo que o fizera atravessar o país e vir até Esmeraldina. Não quando tinha outras coisas bem mais interessantes para eu depositar minha atenção, como a garota que sorria para mim enquanto andava por entre as mesas equilibrando uma bandeja.

— Augusto? Demorei muito? — alguém disse repentinamente, aproximando-se de nossa mesa. Meu pai logo ficou de pé e cumprimentou o homem que havia acabado de chegar, um cinquentão encorpado e de barba espessa. À primeira vista, ele podia ser facilmente confundido com qualquer um dos caminhoneiros que ali estavam; porém, a tatuagem em forma de lua minguante, que ocupava quase toda a extensão de seu antebraço, não deixava margem para dúvidas: aquele diante de mim era o Grande Lobo.

— De maneira alguma, Bernardo. Como sempre muito pontual! — comentou meu pai, exageradamente cortês. — Esse aqui é o meu filho, Benjamin — ele por fim me apresentou.

— Muito prazer — cumprimentei, estendendo minha mão. Bernardo retribuiu o cumprimento e nos introduziu ao garoto que o acompanhava.

— Esse é o Navalha.

O Clube da Lua: Laços Antigos (Contos / Livro 1.5 ✓)Onde histórias criam vida. Descubra agora