Edgar cuidou de todos os procedimentos necessários para a regressão e logo eu estava de volta à espreguiçadeira, deitado, com os olhos fechados. Meu amigo me conduziu numa espécie de transe hipnótico, ampliado pelos nossos poderes vampíricos. Muito em breve percebi que eu era capaz de acessar minhas memórias de infância; mas, dessa vez, eu não estava vivendo aqueles momentos — eu estava os assistindo, do lado de fora, como um espectador numa sala de cinema. Foi então que tive a chance de regressar ao ano de 1874 e me ver menino outra vez.
***
O barulho na porta do quarto chamou minha atenção.
— Senhorzinho, o seu pai está te esperando para o desjejum — disse um dos criados, colocando apenas a cabeça no interior do cômodo. — Venha logo, sim?
Assenti e terminei de ajeitar minhas vestimentas. Eu ainda era novo, mas já havia aprendido, naquela época, o quanto meu pai apreciava o asseio e os bons modos. E, se havia algo que eu queria evitar mais do que qualquer coisa, era deixa-lo irritado.
Adentrei a sala de jantar e encontrei a mesa posta. A comida era servida por minha causa, já que meu pai nunca a tocava, ainda que pudesse. Sim, eu era um garoto híbrido e precisava me alimentar corretamente, caso quisesse crescer forte e me transformar num vampiro como ele. Mesmo assim, não apreciava tanto o fato de eu ser o único a comer — era como se todos os olhares estivessem sempre voltados para mim naquelas ocasiões.
— Bom dia, Leocaster — disse meu pai, a voz grave, soturna, sem emoções, como usual. — Sente-se ao meu lado por favor, tenho assuntos a tratar contigo.
Fiz como ele pediu, me sentando à sua esquerda, e esperei.
— Pode comer enquanto eu falo, apenas peço que preste atenção às minhas palavras.
Não questionei e estendi minha mão em direção à jarra de suco. Enquanto me servia, o rei dos vampiros finalmente revelou o que tinha a me dizer.
— Tens quase doze anos agora... — ele começou. — És um garoto forte, saudável. Ainda assim, acho que estás a levar uma vida muito reclusa. Vives enfurnado nessa casa, com a cara nos livros... — ele suspirou, antes de continuar. — Veja bem, não é que a erudição não seja importante; sim, ela é, e muito. Mas não é apenas da sabedoria dos livros que tu precisarás quando te tornares o príncipe dos vampiros. Há outros tipos de saberes que não irás adquirir aqui, trancado em teu quarto. Tu entendes o que estou dizendo?
— Sim, papai — respondi, já preocupado com o rumo daquela conversa.
— Pois bem. Acredito que estejas familiarizado com a história de nossa família — prosseguiu ele. — Sabes que esse reino, o meu reino, foi conquistado graças a muito esforço e coragem, não sabes? Ainda assim, o trabalho por aqui está longe de terminar. Este continente é imenso, há muito a ser explorado. E não apenas isso, há muitas ameaças a serem eliminadas.
— Ameaças? — questionei. — Como assim?
— Nem todas as criaturas que se alimentam de sangue possuem o mesmo nível de civilidade que nós, Leocaster — ele explicou. — De fato, descobrimos que já existiam vampiros aqui antes mesmo de chegarmos. Mas eles não são em nada parecidos conosco.
— Como eles são então? — indaguei, intrigado.
— São seres primitivos, com uma racionalidade mínima. São monstruosidades que pouco se assemelham aos homens, ao contrário de nós. Lembram mais morcegos humanoides do que vampiros de fato. E o pior de tudo, são extremamente violentos. Nós os apelidamos de Gárgulas, já que não fazemos ideia de como se chamam.
VOCÊ ESTÁ LENDO
O Clube da Lua: Laços Antigos (Contos / Livro 1.5 ✓)
FantasyExistem datas simbólicas que carregam consigo uma série de significados ocultos e que são muito mais do que meras celebrações ou festividades. Nessa coletânea de contos, acompanhamos personagens marcantes de "O Clube da Lua e a Flor Cadáver" revisi...