🐺 Capítulo 3.2

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Andávamos apressados em direção à serra. Navalha mantivera o comportamento de sempre e mal me dirigira a palavra até aquele momento. "Que ótimo", pensei, incomodado. Achei que ele fosse finalmente sanar minhas dúvidas sobre a Caçada Voraz, mas, pelo visto, eu estava profundamente enganado. Logo o verde da paisagem ao nosso redor se tornou cada vez mais intenso e vertical, subindo as encostas rochosas e contornando as margens da estreita trilha que seguíamos. De tempos em tempos, Navalha parava e erguia as narinas em direção ao céu, aspirando um rastro que eu não era capaz de perceber.

— É bom você aprender a reconhecer esse cheiro — ele finalmente falou, como se adivinhasse o que eu estivera pensando segundos antes.

— Que cheiro? — indaguei, interessado.

— Morcego — ele respondeu, sem dar mais explicações.

— Você já lutou com vampiros antes? — insisti, tentando fazer com que aquele débil diálogo durasse um pouco mais.

Navalha apenas soltou um riso debochado, de canto de boca, e seguiu em frente.

— Se faço parte da Caçada Voraz, é justamente por conta dos malditos morcegos — ele finalmente revelou. — Mas, respondendo sua pergunta, sim, já tive o desprazer de cruzar com muitos desses infelizes. Para minha alegria e para a infelicidade deles, estão todos mortos agora. Quer dizer, quase todos.

Aquela afirmação, que supostamente deveria me tranquilizar, teve o efeito inverso em mim. Por mais que ele tivesse todas as credenciais possíveis e fosse endossado pelo Grande Lobo em pessoa, eu simplesmente não conseguia depositar minha confiança no rapaz à minha frente. Havia uma certa inconstância, um certo desequilíbrio, um certo exagero, que eu não conseguia explicar racionalmente, mas que criava uma atmosfera de incerteza ao redor do meu parceiro de missão. Em outras palavras, enquanto ele farejava morcegos, eu farejava outra coisa: problemas.

Seguimos em silêncio pela trilha sinuosa até ela finalmente deixar de existir, bem em frente a uma enorme e íngreme formação rochosa.

— E agora? — perguntei, confuso. — Como a gente faz?

— A gente sobe, obviamente — ele retrucou, seco.

— Bom, eu não sei qual o tipo de treinamento que fizeram você passar lá na sede da Caçada Voraz — comentei —, mas eu, pelo menos, ainda sou um lobo, e não uma lagartixa. Não sei como subir em paredes.

— Observe e aprenda — instruiu Navalha. Logo ele se livrou das roupas e acessórios que trajava e os deixou guardados sob um arbusto. Seu corpo era esguio e suas costas eram todas cobertas de tatuagens de caveiras, demônios e serpentes, o que não era nenhuma surpresa, considerando o seu temperamento. Não tive muito tempo para as observar, porém, porque logo ele iniciou sua metamorfose e assumiu a forma de um imponente lobo branco. Chegava a ser irônico, pois qualquer pessoa que visse a brancura daqueles pelos nunca seria capaz de imaginar o quão distante daquilo era a sua contraparte humana.

Consegue me ouvir? — a mesma voz áspera ressoou dentro da minha cabeça, indicando que Navalha havia sido capaz de estabelecer uma conexão mental comigo, mesmo sem eu ter assumido minha forma animal. Apenas assenti, confirmando, e o lobo branco voltou a encarar a montanha à nossa frente.

Eu vou escalar, e você vai se agarrar às minhas costas.

— E como você pretende fazer isso? — questionei, apavorado com a ideia.

Navalha colocou suas patas dianteiras apoiadas na parede rochosa à sua frente. Em instantes, vi suas garras se estenderem, como se fossem as de uma toupeira, e logo ele as cravou na montanha, sem dificuldades. Garras afiadas e superdesenvolvidas; então essa era a habilidade especial dele. E agora o estranho apelido finalmente fazia sentido, já que, de fato, cada uma daquelas longas unhas se assemelhavam a navalhas, capazes de partir o mais resistente dos materiais.

O Clube da Lua: Laços Antigos (Contos / Livro 1.5 ✓)Onde histórias criam vida. Descubra agora