Depois de muito discutir, eu e Lia chegamos à conclusão de que a melhor data para realizar o ritual, sem levantar as suspeitas dos membros de nossa família, seria na noite do dia 31 de outubro. Naquela ocasião, todos os bruxos que faziam parte do círculo de magia de Esmeraldina estariam ocupados com a realização do Beltane, um dos vários sabás que costumavam celebrar. Aquela ocasião ainda marcaria a primeira vez de Eleonora, minha irmã, conduzindo a cerimônia como a nova grã-sacerdotisa, motivo mais do que suficiente para que nenhum de nossos familiares prestasse tanta atenção no que eu e minha prima estivéssemos fazendo.
Quando o dia escolhido chegou, meus pais se despediram de mim e saíram para a celebração deles antes das dez da noite. Assim que eles deram as costas, corri até meu quarto e tirei de debaixo da cama uma mochila com os itens necessários para o meu ritual, que eu havia deixado escondida. Conferi cada um dos materiais mais uma vez, por precaução, e, depois, segui para o banheiro. Como preparação ao rito, precisaria tomar um banho com algumas ervas específicas – canela, erva de São João, erva doce, anis estrelado, verbena e madressilva. Também já vinha sem comer carne durante toda aquela semana, a fim de purificar o meu corpo, outra das instruções explicitadas pelo livro misterioso.
Por volta das onze horas, ouvi batidas na porta da frente. Era Lia, que vinha também com sua própria mochila nas costas, com os itens que tinham ficado sob sua responsabilidade. Peguei minhas coisas, tranquei a porta de casa e segui Lia, cada uma de nós montada em uma bicicleta. A noite estava fresca e o céu estava limpo, algo que comemorei mentalmente, já que isso tornaria mais fácil a nossa movimentação floresta adentro. As celebrações do círculo de bruxos eram sempre realizadas no bosque que começava aos fundos da pousada da cidade, então, para evitar cruzarmos com algum conhecido, tomamos a direção oposta. Seguimos pela rodovia, até nos depararmos com um ponto em que a mata ao lado do acostamento não era tão fechada. Escondemos as bicicletas atrás de alguns arbustos e continuamos nosso caminho a pé.
Assim que adentramos a floresta, logo vimos uma trilha, provavelmente utilizada pelos vários turistas que costumavam visitar a região para praticar esportes radicais. Passamos a segui-la por alguns minutos, até chegarmos em uma bifurcação, exatamente o tipo de local que eu precisava para colocar o ritual em prática. Em silêncio, Lia me ajudou a organizar o espaço. Acendemos velas pretas e roxas, forramos um pedaço do chão e preparamos uma ceia. Aquela seria a minha oferta de boas-vindas, para atestar a minha boa vontade e receber a entidade, caso ela decidisse mesmo aparecer. Para compor aquela ceia, havíamos trazido ovos cozidos, queijo de cabra, alho, cogumelos, berinjelas, tomates, pimentões, azeitonas, frutas frescas, mel, pães e bolos. Organizamos os alimentos sobre um tecido e adornamos a oferenda com flores. Também enchemos um cálice com vinho tinto e o deixamos reservado.
Assim que concluímos essa etapa, preparamos um espaço, com uma almofada no chão, que era onde eu deveria me posicionar. Lia me ajudou a me despir de minhas roupas e as guardou em uma das mochilas, junto com o meu celular. Posicionei-me de joelhos sobre a almofada, enquanto minha prima vendava meus olhos com um pedaço de pano de cor preta. Após certificar-se de que a venda estava firme, Lia finalmente me dirigiu a palavra.
— Agora é com você, prima. Fique tranquila e tudo terminará bem. Vou estar à sua espera ao lado do acostamento, onde deixamos as bicicletas. Boa sorte! — desejou ela, antes de se afastar.
Assim que ouvi os passos de Lia cada vez mais distantes, concentrei-me em minha respiração e procurei me acalmar, para enfim dar início à minha prece. Após alguns minutos, julguei que o momento certo havia chegado, então apenas deixei meus medos de lado e prossegui.
— Poderosa mãe da escuridão, rainha das feiticeiras — comecei a recitar, com voz trêmula, as palavras que vinha decorando nos últimos dias. — Peço humildemente que se faça presente neste lugar. Estou aqui, de coração aberto e envolta em tuas trevas. Mostra-me teus caminhos, guia-me por teus labirintos, confia-me teus mistérios. Eu, Poliana, sinto em meu íntimo o desejo de honrar a ti!
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O Clube da Lua: Laços Antigos (Contos / Livro 1.5 ✓)
FantasyExistem datas simbólicas que carregam consigo uma série de significados ocultos e que são muito mais do que meras celebrações ou festividades. Nessa coletânea de contos, acompanhamos personagens marcantes de "O Clube da Lua e a Flor Cadáver" revisi...