Moral para dar conselhos (ou a falta dela)

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Tanto Ise quanto Nathaniel, apesar de se demonstrarem sempre tão solícitos, eles não tinham essa compaixão com eles mesmos, a parte mais vulnerável, mais feia e mais sofrida sempre ficava escondida.
E agora, eles tinham expostos esses lados um para o outro, sem intenção obviamente, mas o destino tinha pregado uma peça nos dois mostrado uma parte de suas feridas.

Eles voltavam juntos para o acampamento, um ao lado do outro, e apesar do leve constrangimento, a curiosidade que tinham era forte o suficiente para quebrar essa barreira.

- Eu estava te procurando para agradecer de novo por ontem, por isso a encontrei com Doug... - Nathaniel começou a falar, e sua mente estava dividida em prestar atenção no que estava dizendo e no cabelo trançado de Ise, que ele se lembrava de ter visto solto noite passada, um privilégio que apenas o marido dela deveria ter para um moça da nobreza como ela, e isso o lembrava mais uma vez o quanto a vida dela tinha mudado completamente - Obrigado por não ter feito um alarde com aquilo.

- Eu deveria ter feito, príncipe... O apoio da sua família seria importante, e dividir as dores e os medos que carrega consigo seria o ideal... - Ela falava calmamente, trocando olhares com ele enquanto andavam - Mas eu seria hipócrita se fizesse isso, e mais ainda se fizesse esse discurso seriamente. Eu não tenho moral alguma para fazer alarde, sou igual a vossa alteza, e vossa alteza igual a mim. - Talvez fosse muito audacioso se igualar ao príncipe da Grã-Bretanha, mas Nathaniel não parecia se importar. Ele não passava uma imagem de superioridade e nem de autoridade para falar a verdade, e isso era reconfortante, trazia uma sensação de igualdade que lhe dava ousadia para dizer essas coisas sem se preocupar - Ao menos nesse ponto.

- Não somos tão iguais, senhorita Longman... - Parou de caminhar por um momento e ela fez o mesmo, pois estavam próximos do acampamento - Você é muito mais forte do que eu.

Ise sentiu um calor subir pelo seu pescoço e ela se obrigou a desviar o olhar.
Aquele homem não hesitava em dizer coisas assim, parecia que sequer pensava antes. E diferente de Cambell, cada palavra parecia ser verdadeira.
E isso a desconcentrava.

- Sua situação é muito mais difícil que a minha, Alteza.

Ele riu soprado, era adorável a maneira como ela não aceitava elogios.
- Mas a senhorita sequer sabe o que aconteceu comigo.

- Um príncipe desaparecido há onze anos... São anos demais de histórias difíceis e desconhecidas. - Tomou coragem e encarou aqueles olhos azuis tão claros quanto enigmáticos.

Os fios loiros dançavam sobre suas sobrancelhas grossas e as vezes esbarravam nos cílios quase brancos.
Nathaniel era a idealização perfeita de um príncipe na terra, a essência pura da aparência europeia, desde o rosto e os traços afilados até a altura e o porte. Mas tinha algo nele que parecia não se encaixar, como uma sombra escondida, uma barreira, ou até mesmo, algum arrependimento...
Talvez o que tenho o levado ali.

Ise tinha o direito de perguntar, não tinha? Afinal, ela apenas o seguiu sem prova de sua realeza.
Ela estaria completamente certa em perguntar o que aconteceu... Mas quando olhava para ele, algo parecia doer tanto que ela não conseguia mexer mais na ferida.

- Alteza... Nós dois somos teimosos e não gostamos de preocupar as pessoas, somos arrogantes ao ponto de achar que somos fortes o bastante para aguentarmos tudo sobre nossas costas, mas na verdade somos os mais fracos. - Respirou fundo para não chorar de novo. Enfrentar a si mesmo é a luta mais difícil que existe - Não encaramos nada devidamente, o que sentimos sempre fica reprimido e ainda temos a coragem de achar que ninguém a nossa volta percebe...

Ele escutou cada palavra e concordou com cada uma delas.

- Semelhantes se reconhecem.

- Certamente. - Eles continuaram a andar, mas mais devagar, a conversa era dolorida, mas eles queriam ficar mais tempo nela - Os seus companheiros parecem se importar muito com você. - Ela percebeu que tinha tocado no ponto fraco dele assim que ele desviou o olhar - Agem como uma família, e olha que os conheço a apenas dois dias. - Não tinha como não sentir o amor fraterno deles, mesmo com as brigas - Eu não tenho muita propriedade para dizer isso, mas seria bom que falasse com eles, diga o que o aflige e sei que eles vão entender. - Tentou falar com firmeza, mas não sabia exatamente se estava aconselhando Nathaniel ou ela mesma.

O Príncipe PerdidoOnde histórias criam vida. Descubra agora