Admitir e repelir

588 134 95
                                    

- Me deixe adivinhar, o capitão te deu bebida, estou certa? – Indagou Ise se aproximando.

Já era madrugada. Apenas alguns membros da tripulação estavam acordados e em seus postos. Nada estaria fora do comum se não fosse pelo inglês de pé, apoiando os braços na borda do barco com um olhar perdido em direção ao horizonte. Mas não estava sozinho.

Uma garrafa de vodca o acompanhava.

- Como sempre. – Respondeu sem desviar o olhar do breu que cobria as redondezas.

Ise ficou ao seu lado em silêncio por alguns segundos. Ela já viu o quanto usar bebida para superar o luto era catastrófico e inútil. Lembrava que seu pai quase morrera a anos atrás por conta do vício.

Tentou pensar em uma forma de abordar o assunto com delicadeza, mas era difícil.

Talvez se chutasse a garrafa “sem querer” Nathaniel não iria querer incomodar o capitão pedindo por outra...

- Por que está acordada? – Interrompeu seus pensamentos.

Ise piscou atordoada antes de responder.

- Não consegui dormir então resolvi sair um pouco. – Como derrubaria a garrafa sem deixar claro que não fora um acidente?...

- Vão jogar o corpo dele no mar amanhã. – Falou de repente.

Ise arregalou os olhos. Um grande “O que?!” Ficou preso em sua garganta. Nathaniel esperou que ela absorvesse a informação antes de continuar.

- A viagem irá demorar cerca de um mês, não podem manter um falecido no barco até lá.

Quando o capitão veio a seu encontro para lhe dar a notícia, a única coisa que Nathaniel conseguiu fazer foi pedir uma garrafa de vodca. Entendia os motivos do capitão, mas pensar que...

- Ele não terá sequer um enterro digno? – Indagou Ise mais para si mesma do que para Nathaniel.

Se já não bastasse morrer daquela forma fria e rápida, seria jogado ao mar. Sem lápide, sem caixão.

- Entendo a situação, mas parece tão... – Apoiou as mãos nas bordas do barco.
- Frio. – Completou e bebeu um gole de vodca.

Ise ficou calada.

Pensou nas pessoas que morriam de repente enquanto lutavam para sobreviver. Imaginar os soldados em batalha e na reação de suas famílias ao receberem a fatídica carta de condolências do exército era horrível.

Também pensou nos que sucumbiam à fome e as doenças. Naqueles que não tiveram tempo de se despedir como Wallace, nos que sofriam as perdas, como o grupo e nos que eram injustiçados, como ela.

Fazia doações a igreja da região, levava comida aos pobres da vila e fazia preces, mas estar no meio daquilo era diferente.

Sempre houve tanto sofrimento assim no mundo? Ou apenas agora ela teve a real noção?

Desde que fugira, chorou e teve mais medo do que em todos os anos de sua vida, mas com certeza haviam pessoas que sofriam e tinham vidas mais difíceis que a dela.

Era doloroso pensar nisso, mas uma das coisas que mais aprendera nessa jornada fora a importância da esperança e de se agarrar a fé com todas as forças, só aí a capacidade de pensar racionalmente e manter a calma foi possível em algumas situações.

Com a mente clara, ela pôde aproveitar e ser feliz em meio a tanta dificuldade, aprendeu com cada um e conseguiu crescer e ser mais forte. No fim, por mais difícil e sufocante que fosse, o sofrimento era um tipo de provação em existiam três saídas:

O Príncipe PerdidoOnde histórias criam vida. Descubra agora