QUATRO

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Fechei a porta atrás de mim deixando os dois otários se resolverem com a diretora. Passei a mão no meu maxilar dolorido. Eles iam me pagar!

Comecei a andar em direção a enfermaria pelos corredores vazios. Por sorte ela estava vazia, a enfermeira vivia na sala dos professores tomando café. Fechei a porta e abri o armário pegando algumas coisas para limpar e tirar a dor. Ainda bem que meus pais não viviam em casa.

Me olhei no espelho. Céus! Estava horrível.

Deixei o vidro de remédio em cima da pia, procurando o algodão que devia estar em umas das milhares de gavetas espalhadas pelo lugar. Virei meu rosto para porta quando a ouvi ser aberta. A figura pequena de Marley apareceu no meu campo de visão.

— Oi — disse baixo — Está tudo bem?

Suspirei.

— Está, só foram alguns socos. Acredite, eles estão pior — tentei sorrir mas foi um gemido de dor que saiu dos meus lábios.

— Merda! Você e meu irmão tem que parar de querer me proteger — se aproximou batendo em meu ombro fazendo-me levantar do chão.

Marley se abaixou em meu lugar e em questão de segundos levantou-se com o algodão nas mãos.

— Como achou tão rápido? — ela deu de ombros puxando as mangas do moletom para baixo.

Ela foi até a pia olhando o frasco que eu havia pegado.

— Remédio pra tosse? — revirou os olhos, pegando outro vidro que deduzi ser o certo dessa vez — Senta aí.

Obedeci, sentando-me na maca. Sem sutileza nenhuma ela passou o líquido no algodão e em seguida levou até meu rosto. Fiz careta, fechando os olhos com força.

— Marley! Aí, para — ela suspirou, segurando o riso enquanto ainda passava o medicamento.

— Pronto — descartou o algodão limpando as mãos em seguida — Obrigada, Adrian. Mas, por favor, não precisa mais se arriscar assim. Eles me implicam mas se cansam e vão embora.

— Por que eles te enjoam tanto? — deu de ombros.

— Se descobrir, me conta. Também quero saber.

E saiu. Virou as costas e me deixou lá sozinho.

Teve um período que ela morou com o pai, do outro lado país. Voltou quando ele morreu de infarto. Já procurei todos os motivos para ela não ir com minha cara, mas nunca achei. Marley não era obrigada a gostar de mim, sabia disso mas, às vezes, parecia que ela me odiava por algum motivo específico.

Sai da enfermaria minutos depois, aproveitei que a diretora havia me liberado e fui embora. A casa como sempre estava vazia e em silêncio quando eu entrava. Sentia falta de ter companhia.

Subi para meu quarto de imediato largando minha mochila na cama e me sentando na minha escrivaninha. Eu tinha um segredo, como todo mundo tem. Gostava de escrever. Não pequenos textos, nem poemas ou poesias. E sim, livros. De terror específicamente. Já tinha no total cinco livros, nem todos terminados mas com histórias surpreendentemente boas.

Se eu gostaria de posta-los? Era meu maior sonho e ao mesmo tempo meu maior medo.

Talvez, eu postasse em algum site com um pseudônimo. Meu pai nunca aceitaria ter o sobrenome Cooper em uma capa de livro.

Gostava de escrever, me desligava do mundo e eu estava precisando muito disso. Primeiro, eu precisava me conectar com a história. Música, fotos, vídeos... Qualquer coisa servia. Olhei para os lados, suspirando. Peguei meus fones colocando uma música animada e feliz completamente o oposto com o que eu iria escrever.

Foram horas e horas na frente do computador, dando vidas a personagens que nunca seriam reconhecidos pelo mundo. Nem mesmo Marco sabia desse meu hobby.

E falando nele.

A janela de frente para minha era do quarto de Marley e geralmente sempre estava com as cortinas fechadas. Agora, no entanto, estava aberta e com meu amigo pendurado na janela se sustentando pelos braços em um dos galhos da árvore que ficava entre as casas.

— Ei, lutador de MMA — fechei o computador — Vem jantar!

— Já vou!

Desci as escadas devagar e em alguns minutos estava do lado de fora. Estava a caminho da porta ao lado quando um papel azul mal colocado na caixinha de correio me chamou a até. Andei até lá pegando-a.

Sem remetente, nem destinatário. Muito menos endereço.

Franzi o cenho e voltei para dentro de casa jogando a carta em cima do móvel da entrada, voltei a seguir o caminho do princípio.

— Oi, tia — beijei sua bochecha quando abriu a porta.

— Menino, onde foi que você se meteu?

— Ah, isso aqui — apontei para meu rosto — Não é nada! Só reagi a um assalto armado e salvei a idosa que não dava conta de se proteger sozinha.

Helen ficou em silêncio por longos dramáticos segundos, com expressão preocupada. Até que, por fim, me deu um tapa no peito.

— Seu bobo! Não sei como ainda acredito em você — sorri dando de ombros.

— Fazer o que? Tenho uma lábia boa.

Ela riu dando tapinhas no meu ombro e me empurrando para sala de jantar. Helen me "adotou" — pelo menos na hora da janta — estava cansada de me ver comer Ifood em vez de verduras e legumes. A mãe de Marco não era a favor da emancipação, achava uma falta de responsabilidade dos pais. Principalmente dos meus que, tinham condições de pagar alguém para cuidar de mim mas não se importavam.

Me sentei à mesa, no lugar de sempre. Logo Marco desceu com a irmã. A mesma estava com os cantos dos olhos vermelhos, indicando que estava chorando. Essa imagem já estava virando algo comum na minha vida e eu não gostava disso. Marley era minha amiga apesar de tudo, e me doía saber que ela não tinha ninguém para jogar seus monstros internos.

Te vejo no futuro.Onde histórias criam vida. Descubra agora