VINTE E UM

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Bônus: Marley

Pelo menos uma pessoa de cada geração da minha família teve depressão. Alguns sobreviveram, lutaram pela vida e venceram seus desafios, já outros desistiram... Cansaram de sempre buscar o perfeccionismo e nunca alcançar.

Eu era feliz, era uma pessoa que sabia lidar com problemas, era criativa, tirava boas notas e não ligava para o que as pessoas falavam. Eu era normal. Foi algo tão rápido que quando percebi, me encontrei no fundo do poço, tentando escalar as paredes afim de encontrar minha luz no fim do túnel, minha salvação. Mas, de todas as formas que eu tentava sair do buraco escuro não dava certo. Eu sempre caía e queda doía cada vez mais.

Eu não sei quando tudo começou. De repente, não me sentia bem.

A solidão havia me engolido, a sensação vazia dentro do meu peito aumentava cada dia mais. Minha primeira crise de ansiedade veio aos treze anos... Tão nova. Minha cabeça não parava de funcionar, eu queria comida e ao mesmo tempo sabia que não podia comer, queria dormir mas não conseguia. Era um loop infinito entre poder e não poder.

Me trancar no banheiro para chorar sem motivo virou rotina.

Quando me mudei com meu irmão e minha mãe para Toronto, ainda criança pensei que fosse normal. Conhecemos Adrian, o vizinho que nunca saia de casa. Brincávamos nós três: Eu, Marco e Adrian. Sempre fui tímida, na minha, o que dificultava um pouco o processo de fazer amizades.

Passado alguns anos, meu pai fez a oferta de eu ir morar com ele. Eu fui. Amava meu pai mais que tudo nessa vida. Acontece que, nem tudo foi um sonho. Ele era muito crítico, queria que eu fosse a filha exemplar.

Fiz cursos de tudo o que podia. Línguas, danças, teatro e até mesmo de banho e tosa de animais. Estava exausta. Não tinha nem quinze e já não aguentava acordar todos os dias.

Mas não o culpo por eu estar vivendo isso.

Até porquê, não posso culpar alguém que vi morrer e não fiz nada.

Tinha acabado de chegar da aula de sapateado, ele estava passando mal na cozinha. Dizia que estava sentindo dor e em segundos estava no chão, tremendo, babando. Qualquer pessoa no mundo teria corrido e pedido socorro mas eu, não. Fiquei lá até seu último suspiro. Os olhos vidrados em mim era a última coisa que me lembro dele.

Depois de meia hora consegui me mover, chamei a ambulância e daí pra frente foi um borrão.

"Você tem que ser perfeita" — a voz dele ecoava na minha cabeça. Eu não o salvei, tinha que recompensar e ser a garota que ele queria.

Ao voltar para Toronto, eu me matei de estudar, trabalhar e ser uma boa filha e irmã. Para isso, me afastei de todas as pessoas até de meu vizinho que eu era secretamente apaixonada desde a infância. Perfeita, eu tinha que ser perfeita.

Não tinha tempo para nada. Nem mesmo para me importar com o bullying que sofria na escola por causa da aparência magra, pálida e nerd que eu tinha. Bem, eu achava que não ligava...

Foram anos acumulando tudo. Jogava tudo no secreto da minha mente.

Há alguns meses, minha cabeça explodiu. Eu não aguentava mais. Tomava remédios escondido para conseguir pegar no sono mas, eles não estavam mais fazendo o efeito. Pelo menos eles me acalmava durante o dia.

Só que não era o bastante.

O alívio mental veio quando a dor tomou conta. A lâmina na minha pele era a solução. Depois vinha a culpa, no entanto, não adiantava. Eu voltava a fazer. Precisava.

Infelizmente, os cortes, a dor. Era tudo temporário. Precisava de algo definitivo. Eu ia machucar muitas pessoas, sabia disso.

Me sentei na escrivaninha, para preparar as cartas. Despedidas e desculpas.

Para meu pai, precisava me desculpar.
Para meu irmão, ele era especial demais e tinha que entender meu lado. Minha mãe também mas... Marco irá ficar desolado por alguns dias mas logo ficará bem.
E para a pessoa que seria meu futuro amor, desculparia porquê por causa de mim... Talvez, ela nunca iria encontrar sua alma gêmea.

O plano saiu do controle assim que a carta foi respondida. Droga. Talvez, um pingo de esperança tenha surgido. Não tenho certeza. Mesmo assim, tenho continuado a escrever.

Eu queria fazer coisas que nunca tive coragem, não ia ter muito tempo para sofrer no arrependimento. E no natal, eu beijei o cara que eu amava. Ele me beijou de volta. A culpa me invadiu assim que percebi o que havia feito. Mais uma pessoa tinha se aproximado demais de mim. Mais uma para eu me desculpar.

E agora, ele estava em meu quarto preste a descubrir meus monstros internos.

— O que estava acontecendo? — respirei fundo, temendo por sua reação.

— Prometa uma coisa para mim. Não conte a ninguém, Adrian. Eu vou melhorar, estou tentando — seus olhos cor chocolate se fixaram em minhas mãos — Preciso que isso fique entre a gente.

Ele não me respondeu, esticou a mão para mim. Ainda receosa, entreguei meu pulso a ele. Seus dedos gelados arrastaram o moletom para cima revelando os cortes rosados, mostrando que havia os feitos a pouco tempo.

Adrian segurou a respiração, soltou meu braço e me abraçou. Eu precisava tanto daquele contato.

— Marley — sussurrou passando a mão por meu rosto, tirando as lágrimas — Estou aqui com você.

Suspirei.

— Quer conversar? — abaixei meu olhar, e assenti.

Adrian se deitou comigo. Respondi todas suas perguntas. Ele não tentou mais que perguntas simples e muito invasivas, se preocupou com as palavras. Não me julgou e nem comparou seus problemas com os meus. Me fez falar um pouco sobre mim, mas me dói saber que ele ficaria preocupado comigo. Essa nunca foi a intenção.

Peguei no sono no meio da conversa, o remédio que eu havia tomado fez efeito. Quando acordar, ele não estará aqui. E mais uma onda de culpa vai me invadir e não sei até onde posso aguentar.

Te vejo no futuro.Onde histórias criam vida. Descubra agora