DEZENOVE

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Foi uma merda voltar para casa. Uma merda aguentar os últimos dias na casa com Marley me ignorando. Tentei de todas as formas tentar conversar mas, ela sempre se esquivava. Parecia que a gêmea do mal tinha voltado ao normal.

Depois de semanas em uma casa com risos, conversas e comida boa. Eu me encontrava olhando o olho mágico da porta de casa, enquanto comia macarrão pré-cozido com tempero pronto. Tia Helen me mataria se me visse ingerir isso, segundo ela, isso dá câncer.

Bem, mas o que eu estava fazendo olhando o olho mágico? Eu iria descobrir de onde vinha as cartas.  Acontece que quando cheguei, havia uma delas no correio apenas avisando que se ausentaria e que me escreveria na primeira sexta-feira pós ano-novo . E ali estava eu, um adolescente entendiado, com o coração frustado por causa de uma garota e com a mente ansiosa por outra.

Nossa, isso me pareceu tão errado.

Bebi o caldo da tigela, sentindo o aspecto de pó grudar na minha língua e bochechas.

O barulho de metal da caixinha fez barulho. Abri a porta de uma vez deixando a vasilha no móvel no hall. Avistei o carteiro, eu o conhecia. Era o Rick, devia ter seus quarenta anos mas tinha uma alma brincalhona, quando criança  sempre jogava uma partida de futebol comigo e Marco.

— Rick? — ele se virou para mim, sorrindo.

— Menino Adrian! — veio ao meu encontro, parou no meio do caminho assim que abri o correio pegando o envelope azul.

— De onde vem essas cartas? — deu passos para trás — Só quero saber quem está as enviando, Rick. Pode me falar?

— Acho que tem alguém me chamando — ele saiu correndo, corri atrás dele.

Foram uns dois quarteirões só correndo, como doidos. Qual era o problema desse homem? Era meu direto saber de onde vinha as correspondências, só uma informação não ia doer. Apoiei minhas mãos nos joelhos, respirando fundo.

— Rick! Cara, por favor — não adiantou, o homem correu rápido demais me deixando sem esperanças  — E não tinha ninguém te chamando.

Voltei frustado para casa, no caminho havia algumas vizinhas fofoqueiras na porta atraídas pela gritaria há alguns segundos. Abaixei minha cabeça encarando a carta em minhas mãos. Um sorriso genuíno surgiu em meu rosto. Sem aguentar a ansiedade, abri o embrulho ali mesmo. Comecei a ler, enquanto caminhava.

Eu cometi um erro essas férias. Na verdade, foi um erro que gostei de errar. Estou me culpando desde o momento do meu deslize, talvez, eu tenha acabado de aumentar a minha lista de pessoas que irá se  decepcionar comigo. Além de você, claro. Ainda acho engraçado ter alguém lendo meus pensamentos. Foi bom errar... Pensei que estava bem.
Mas aí, a realidade veio e eu precisava sentir. Sentir a dor, ela me faz voltar a respirar. Pelo menos, por enquanto.
Não se preocupe, juro, se você for mesmo a pessoa certa para mim.. vai me conhecer. De verdade. Não a garota machucada. Prometo que irei sorrir mais vezes para você.
A escola volta segunda-feira. Estou com medo. Nunca gostei dela. Nunca gostei das pessoas dela.

Nossa eu só reclamo, desculpe.

Eu realizei um sonho de criança, foi... Uau! Quem sabe eu te conte algum dia. Pela primeira vez eu fui a escolhida. Foi melhor que nos meus sonhos.
Minha cabeça está confusa demais.

Te vejo no futuro.

Encarei a porta de casa, abri-a e corri para meu quarto escrevendo o que eu sentia que tinha que escrever. Nada muito grande. Eu não era bom com cartas e acho que não ficaria legal colocar frases de terror e suspense pata algo que tem que ser delicado.

Fico feliz que tenha aproveitado, de verdade. Tenho certeza que se aventurou muito nesse erro e se gostou, não acredito que foi um erro.
E não se machuque mais para voltar a realidade, pense nas nuvens. É algo que ama. E o amor é maior que a dor. Quando se sentir sufocada, feche os olhos e imagine as pessoas que mais ama nas nuvens.
E não importa se sou ou não seu amor, quero-lhe conhecer mais que tudo. Mas, vou esperar seu tempo.
E sim, vou querer saber tudo sobre a realização desse sonho.

Também fiz algo que era meio errado mas, eu não me arrependo de nada.

Te vejo no futuro.

Fechei a carta, de alguma forma Rick a colocaria na caixa de correio da pessoa certa. Girei na cadeira de rodinhas, minha visão foi direto para a janela na frente. Marley entrava no quarto e como imã, também me olhou. Sem nem pensar, abri minha própria janela e movi meu corpo até alcançar o primeiro galho da árvore. O sol estava se pondo, se eu caísse, colocaria a culpa da falta de iluminado.

Vendo o que eu estava fazendo a garota abriu sua janela colocando a cabeça para fora com os olhos arregalados.

— Adrian, larga de ser doido — sussurrou fazendo um sorriso surgir em meu rosto.

Passei de galho em galho até eu dar conta de passar meu corpo pela janela dela.

O quarto de Marco é do outro lado e dá pra chegar lá usando a porta — cruzou os braços em frente o corpo.

— Quem disse que eu queria ver o Marco? — vi quando segurou a respiração.

— Adrian — soou como um aviso. Me mantive no mesmo lugar.

— Poxa, Marley, a gente teve nosso momento na casa de campo e depois você me ignora e finge que nada aconteceu? — seus braços caíram ao lado do corpo.

— É complicado.

— Por que?

— Meu irmão — revirei os olhos dando um passo em sua direção.

— Marco não tem nada com isso. Eu sei que talvez, para você, foi só alguns beijos mas não é possível que você não sentiu nada. Nem um terço do que eu senti?! — suspirou, olhei para seus dedos apertando a barra de sua jaqueta jeans — Tudo bem, vou embora.

Dei as costas mas, antes de que pudesse dar um passo em direção à janela senti suas mãos me virarem.

— Você se precipita demais, Adrian. Que merda! Eu gostei, gostei muito de tudo o que aconteceu. Mas não quero — engoliu seco — Não posso ter alguém.

Eu não ia desistir. O vício era algo preocupante.

— Não precisamos ser nada um do outro, que tal? — ela riu baixo — Estou parecendo um desesperado?

Assentiu. Marley não fugiu quando segurei seu rosto.

— Diga que sim. Vamos ver até onde isso vai, sem pressão, sem cobrança — vi a insegurança passar em seus olhos. O mesmo medo do dia do seu aniversário. Eu queria desvendar todos os mistérios de Marley.

Os segundos pareceram horas. Fechei meus olhos, encostei nossas testas.

— Está bem, Adrian.

Sorri, e depois de tantos dias finalmente eu tinha seus lábios novamente nos meus.

Te vejo no futuro.Onde histórias criam vida. Descubra agora