VINTE E TRÊS

74 10 6
                                    

— Oi, mãe — atendi, Marley me olhou de soslaio.

Você não pode falar isso! Depois de DEZOITO anos? — era a voz do meu pai falando alterado — Ele é meu filho!

Franzi o cenho, não falando mais nada.

— Mas não é meu! Eu não consigo mais, eu o amo de verdade e por isso não vou mais esconder isso dele. Ele merece saber a verdade — me remexi no banco.

— Você concordou comigo há anos atrás, aceitou ele e me perdoou — meu pai gritou.

— Mas parece que você não se perdoou e nem aceitou ele. Vive arrumando viagens de negócio, trabalho em cima de trabalho. Eu vejo o Adrian uma vez no mês! Eu que acordava todas as madrugadas para cuidar dele enquanto você saia para beber, eu sou a mãe dele de verdade não importa o que diga — fez silêncio na linha — Ele nem gosta de mim por sua culpa! Meu próprio filho me odeia. Você é um idiota, eu te amo mas eu não suporto mais viver com você me privando de vê-lo.

— Meu amor, eu fiz isso para nosso casamento não acabar. Você sempre ficava falando das bagunças que ele fazia.

— Eu não reclamava! Eu amava vê-lo chegar em casa cheio de barro. Amava ver a carinha de culpa quando rabiscava uma parede de giz de cera — disse entre choros — Ele pode até ter saído de outra pessoa mas, eu sou a mãe dele. Sou mais mãe do que você é pai. E olha que ele tem seu DNA!

— Então, vamos voltar para Toronto e você vai poder ser a mãe dele mas eu não consigo. Adrian foi a pior coisa que eu já fiz, me odeio por ter deitado com aquela mulher depois de termos brigado — segurei as lágrimas — Posso fingir que tenho orgulho como sempre faço mas você não vai contar para ele.

— Você mesmo contou.

Eu não sei o que aconteceu durante dez segundos mas foram os piores da minha vida.

Adrian — meu pai disse e eu desliguei o celular.

— Para o carro, Marco — pedi.

— O quê? Por que?

— Para o carro, Marco — tirei o cinto pegando minha mochila — Cara, para a merda desse carro!

Sai do veículo assim que ele estacionou. Sem olhar para trás, comecei a andar em direção oposta. Ouvi meu amigo me chamar mas eu não dei moral. Eu não sabia o que eu tinha acabado de ouvir, só sei que tinha doído muito. Meu coração batia tão forte que eu era capaz de sentir cada pulsação e meus olhos embaçados me impediam de ver o chão.

As palavras ainda tentavam se encaixar na minha cabeça. Estava tentando não pensar.

Adrian foi a pior coisa que eu fiz.

Tranquei a mandíbula e meus pulsos se fecharam em punho. Eu queria gritar, com todas as forças do meu pulmão. Queria socar alguma coisa, sempre funcionava. Queria jogar fora o celular que não parava de tocar em meu bolso.

Mas eu parei no meio caminho. Duas mãos macias me fizeram parar. Os braços me rodearam por traz e eu coloquei minhas próprias mãos em cima das delas que descansavam em meu peito.

Eu não precisava me virar para saber quem era.

Mesmo assim me virei, enlaçando a cintura Marley e enterrando minha cabeça na volta de seu pescoço. Só ali permiti que as lágrimas saíssem. Seus dedos se enfiaram em meu cabelo, deslizando para cima e para baixo. Me acalmando aos poucos. Eu nunca chorei pela forma que meus pais me trataram, não me lembro de ter uma atenção de verdade. Não sentimos falta do que nunca tivemos.

Levantei meu olhar vendo Marco caminhando em nossa direção, ele sorriu sem mostrar os dentes.

Me separei de Marley mas, segurei sua mão entrelaçando nossos dedos e indo em encontro do meu melhor amigo. Ele colocou a mão no meu ombro.

— Está tudo bem? — neguei.

Meu celular sempre gravava as ligações, por isso, entreguei meu celular para ele enquanto voltavamos para o carro. Se eles não tivessem ido atrás de mim, minha casa estaria aos pedaços.

— Eu sinto muito — diz ele — Tenho uma ideia. Vamos cabular aula. De acordo, Marley? Adrian?

O maluco do meu amigo foi para o outro lado da cidade, para um parque práticamente vazio. Eu e ele tiramos a camisa do time para não levantar suspeitas e descemos do carro. Eu e ele já tínhamos feito isso mas pela desconfiança de Marley olhando todo segundos para os lados, parecia que era sua primeira vez.

Passei a mãos pelo rosto tirando as lágrimas secas que repuxavam minha pele. Eu iria esquecer aquela ligação, pelo menos por hoje, ia fingir que não tinha escutado que minha mãe não era minha mãe de verdade. Durante toda minha vida, achei que o relacionamento dos meus pais era... Perfeito. Mas, parece que mais uma vez fui enganado por eles.

— Ei — reclamei ao sentir a bola de neve me atingir.

Meu amigo correu para trás da árvore, se escondendo. Marco aproveitou que estava protegido jogando uma bola de neve na irmã que mudou sua expressão para raivosa. Em questão de segundos estávamos cada um em uma extremidade, jogando neve um no outro. Percebi que eu tinha os melhores amigos, pessoas que deixaram suas responsabilidades para me colocar para cima.

Se passaram minutos ou horas, não sei. Mas me vi sentado perto do lago que começava a descongelar. Marco estava deitado no banco sem se importar com os olhares julgadores e Marley havia ido comprar alguma bebida para nós.

— Como está se sentindo?

— Bem. Obrigado.

— Vai conversar com eles?

— Não tenho escolha, acho.

— Sabe que pode contar comigo, não sabe? — sorri, assentindo. Marco se levantou e me abraçou.

Ele se afastou, olhando em meus olhos.

— Ainda bem que é com você que ela está — ele apontou para trás de mim, me virei vendo sua irmã carregando três copos de cafés.

— Não está com raiva?

— Não. Mas, vamos ter uma conversa. Quais são suas intenções? — gargalhei vendo-o fingir uma expressão séria — Ela é especial demais para mim, Adrian. Sei que não faria nada para ela mas, mesmo assim... Saiba que meu sonho é te dar um soco, eu vou aproveitar na primeira oportunidade.

Parei de sorrir.

— Seu sonho é me dar soco? — ele riu.

— Sim! Você não tem vontade de me bater? — neguei fazendo o rir mais ainda. Idiota.

Te vejo no futuro.Onde histórias criam vida. Descubra agora