QUINZE

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Levei a torrada até a boca dando uma mordida olhando o sol da manhã entrando na janela da cozinha. Tia Helen empurrou o copo até mim, oferecendo um sorriso para mim. Seus olhos se moveram rapidamente até Marley que estava ao meu lado, ela ergueu a sobrancelhas e as ergueram duas vezes. Levantei uma sobrancelha, entortando a cabeça para o lado.

Desviei o olhar para a escada.

- Adrian! - Marco me gritou - Vem me pegar.

Revirei os olhos rindo, me levantei da cadeira indo até meu amigo que estava só de um pé, se apoiando no corre-mão, com expressão de dor no rosto.

Ele sorriu para mim, esticando os braços. Folgado!

Literalmente o peguei no colo. Marco era menor que eu e também mais magro o que facilitou o processo de deslocamento até a cozinha.

- Que gracinha - Helen comentou segurando o riso.

Coloco Marco perto da cadeira para ele se sentar.

- Está sentindo dor, não é?

- Quê?! Mãe, não - balançou a mão no ar, me abaixei encostando de leve meu indicador do pé inchado - Aí! Caralho, Adrian!

Helen coçou a garganta.

- Dor? Não sei o que é isso.

- Maninho, vai pro hospital. Se não for, seus nervos vão se atrofiar para sempre e seu pé não vai caber nunca mais em par de patins - Marley disse, séria - Quer dizer, acho que nem em um par de meias.

Arregalei os olhos para ela que escondeu o risinho.

Marco olhou para irmã abrindo a boca, chocado. Helen concordou com Marley e quem sou eu para discordar? No final - por livre e espontânea vontade - ele aceitou ir ao hospital. Com um requisito: que fosse depois do almoço.

Ele gostava muito de sofrer. Era aceitar ou largar, então, quem ajudou no almoço aquele dia fui eu.

Comida simples, amanhã seria o banquete. E hoje a noite também, já que era véspera de natal. Almoçamos, eu e Marley ficamos com a louça enquanto Helen se preparava para ir até a cidade com meu amigo. Era quase uma da tarde quando o ajudei a caminhar até o carro.

- Voltamos rápido, crianças. Se comportem - Helen avisou olhando para o céu, estava começando a nevar e era bem possível uma tempestade de flocos de gelo mais tarde.

Marco me encarou colocando a mão no meu ombro e em seguida desviou o olhar até a irmã que estava na porta da entrada. Marley me olhou fazendo-me respirar fundo.

- É, melhor você do que outro - o garoto resmungou baixinho, rabugento, se sentando no banco.

Fechei a porta do carro, pisquei para ele fazendo-o ficar vermelho de raiva. Gargalhei indo até a porta onde ela me deu espaço para passar. Observei o carro partir até sumir das vistas.

Me virei para Marley que entrou para dentro de casa sem dizer nada. Ficaríamos sozinhos durante horas, sem assunto, se nada. Não estava preparado para o tédio. Me joguei no sofá e ela subiu para seu quarto, deixando-me sozinho ali. Fiquei observando a massa de neve aumentar cada vez mais, o vento congelante balançava as árvores do lado de fora fazendo até um cenário meio sombrio. A cor cinza no céu, fazia a tarde parecer noite.

Depois de uma hora e meia me levantei sentindo fome. Fui até a cozinha preparando sanduíches com molho e tudo. No momento que tirei eles do forno, as luzes se apagaram e o aquecedor fez um barulho alto, desligando em seguida.

Não demorei para ouvir os passos da escada. Acendi a lanterna, iluminando Marley que vinha quase correndo em minha direção.

- Medo de escuro? - ela sorriu, timidamente - Senta aqui, fiz lanche.

Ela se sentou no banquinho, perto de mim encolhendo as pernas sobre o acento. Sorri, colocando o sanduíche na sua frente.

- Estava jogando? - perguntou.

- Não - sorri sem graça - Estava olhando o tempo.

- Sou uma péssima companhia, não é?! - neguei - Te larguei e fui para o quarto ler.

Deu uma mordida na comida, dizendo que ficou bom.

- Você lê o que?

- Romance e terror. São meus preferidos.

- Trouxe alguns livros? - concordou.

- Também gosta de ler? - anui, escondendo o fato de também escrever - Sabe que não está seguindo o roteiro, não é?!

Franzi o cenho, mastigando e engolindo.

- Você é o cara popular, que joga no time da escola. Tem que ser menos intelectual - gargalhei sendo seguido por ela.

- Está lendo romance demais, Marley - deu de ombros, desfazendo o sorriso devagar.

Terminamos de comer, juntando as coisas na pia. Assim que coloquei o último copo sobre o mármore preto meu celular tocou, o tirei da jaqueta que vestia vendo o nome "Tia Helen na tela", olhei o relógio que já marcava cinco da tarde.

- Oi, tia - Marley me olhou por cima do ombro.

- Adrian, como está aí?

- Sem energia - escutei seu lamento.

- Estamos no meio da estrada, o caminho está bloqueado. Tanto pela neve e por uma árvore velha que caiu do primeiro sopro de vento - pisquei um par de vezes - Os bombeiros não vão poder vir, a cidade está um caos por causa de um acidente.

- E agora? Como vão fazer?

- Eu e Marco vamos para um hotel e amanhã, quando a árvore for retirada nós voltamos para casa - assenti - Tem algumas lenhas no porão, pegue-as e acenda a lareira. Durma com Marley na sala de estar, pegue os cobertores também para não passarem frio. Tem sopa no congelador, esquente e coma no jantar.

Muita informação em poucos segundos.

- Tia mas... - ela me interrompeu, como se adivinhasse meus pensamentos.

- Sei que é véspera de natal mas, vamos comemorar amanhã. Tudo bem, querido? Qualquer coisa me ligue, por favor. Não importa a hora - suspirou - Cidade pequena com só um posto de bombeiro.

Resmungou a última parte fazendo-me sorrir.

- Olha aqui, Adrian - revirei os olhos quando ouvi a voz de Marco - Enquanto estava na fila de espera da emergência, pesquisei uma coisa bem interessante, o título era: Como matar de forma lenta e dolorosa o amigo que quer pegar sua irmã!

- Marco, para com isso! - Helen protestou, ouvi uns resmungados - Não ligue para ele, querido, quem tem que dar a benção sou eu!

- Mas...

- Tchau, Adrian. Juízo.

E desligou. Olhei para Marley colocando a mão na cintura.

Te vejo no futuro.Onde histórias criam vida. Descubra agora