VINTE E QUATRO

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Já fazia três semanas do dia do parque. Atendi minha mãe depois de quarenta ligações atendidas. Nunca a ouvi tão vulnerável.

Descobri que meu pai me odiava. Ele e minha mãe tinham brigado em uma noite,  frustado saiu para beber. No bar, conheceu uma garota e semanas mais tarde ela o achou com a noticia de estar grávida e que além disso, deixou claro que se ele não ficasse com a criança iria me abortar. Minha mãe — a que me criou — interviu, disse que ficaria comigo. Meu pai não gostou muito da ideia mas deu o braço a torcer.

Ele focou no trabalho depois do meu nascimento, abriu advocacia por todo estado, país... E quando eu fiz sete anos puxou sua esposa para o trabalho também. Eu só me lembro de babás cuidando de mim, até mesmo em meus aniversários e natais.

E desde a ligação, eu não saio de casa a não ser ir para a escola. Fiquei muito afetado com tudo. Eu posso até ter dezoito anos mas... Não tenho maturidade para arcar com tudo sozinho. Eu só queria ter alguém aqui comigo... Queria ter uma mãe aqui comigo, um pai.

Faz mais de três dias que estou usando touca, nem atrevo a me olhar no espelho. O pior é que depois de conversar com minha mãe, ela não se deu o trabalhado de me ligar novamente. Eu estou tão confuso!

Eu nem sei como está Marley! Merda, me sinto um idiota por deixa-la sozinha. De repente, surge uma grande preocupação em mim, tão grande que meu peito dói. Sei que não devia trata-la como imã boneca de porcelana porque ela é a garota mais forte que conheço mas é impossível não me preocupar. Ainda mais agora percebendo que não a olha há dias, sem explicações.

Olho para a carta que recebi essa manhã, não tenho nem ânimo para abri-la. Porque eu sei que são de Marley e sei que se eu ver mais uma jura de amor vou querer ir correndo para ela e não quero que me veja assim... Um bagaço.

Nesses últimos dias, terminei dois livros e esse é um grande sinal que o tédio está muito grande. Matei quase todos os meus personagens e ainda chorei por eles.

Levanto da cama onde estava, depois de horas comendo bobeira. Entro no banheiro, tomo um banho, arrumo meu quarto e quando tudo está no lugar olho pela janela. Para o quarto dela.

São duas da manhã e sua luz ainda está acesa.

Esquecendo toda merda de querer que ela não me veja, pulo da minha janela para a árvore e vou parar em seu quarto em questão de minutos.

Meu coração se parte quando a vejo no canto no chão, encolhida, chorando silênciosamente, puxando o ar com força e com as pontas dos dedos tremendo. Seus olhos me encontram e eu corro em sua direção. Pego ela em meu colo e sem dizer nada a coloco na cama.

— Eu.. eu não consigo mais Adrian — a abraço — Está doendo. Eu não vou conseguir resistir.

— Shii — segurei seu rosto — Estou aqui.

— Mas não devia — sem me preocupar com suas palavras, me estiquei pegando um copo de água que estava sobre o móvel entrando a ela — Você está cheio de problemas. Não quero ser mais um.

— Você não é um problema para mim, você é minha solução — sua respiração aos poucos vai melhorando — Está melhor? Quer conversar?

— Adrian, como você consegue? Está passando por um momento mais difícil que o meu e ainda quer me ajudar? — sorri, pegando seu rosto entre as mãos limpando suas lágrimas com os polegares. Eu nunca havia visto ela em uma crise e agradeço por não ter entrado em desespero.

— Não vou comparar nossos problemas, você tem os seus e eu tenho os meus. E nós dois temos um ao outro, concorda? Passei esses dias fora por medo, não queria me visse assim. Nesse bagaço todo — ela sorriu — Mas, quando vi sua luz acessa eu não pensei duas vezes em ver o que estava acontecendo. Quis te ajudar e você mesmo sem saber também me ajudou.

— Eu não sei ajudar ninguém assim, Adrian.

— Quando confiou em mim para te ajudar. Olha só! Está estável de novo e nem percebeu — peguei o copo de sua mão — Quer conversar?

Repeti a pergunta. Não sei se fiz certo ao pesquisar sobre como tratar alguém com depressão, eu li que incentivar a falar é um bom passo. Não julgar. Não obrigar. E respeitar suas decisões. Por isso, não disse nada a ninguém e nem sei devo ou não falar. Como eu disse, não tenho maturidade.

— Professora passou um trabalho de geografia, eu era ótima mas agora que não consigo mais. E eu não posso ficar de recuperação demais. Minha cabeça começou a pensar demais e quando eu vi estava tendo uma crise de ansiedade.

— É claro que você vai dar conta de fazer o trabalho — negou — Vai sim, porque eu vou te ajudar.

— Adrian...

— Eu quero te ajudar a sair dessa, Marley. É sério! Eu gosto de você, mais do deveria — enrolo uma mecha de seu cabelo no dedo — E eu quero você. Quero todos os momentos com você. Agora estamos numa fase difícil e eu quero passa-la com você e eu seu que a fase boa e mais relaxada vai chegar. E estaremos juntos.

— Queria poder te ajudar na questão de seus pais mas, nem conselho tenho — sorri, me inclinei beijando-a.

— Só de aceitar a ficar comigo, estará me ajudando.

Marley assentiu e naquela madrugada demos um grande passo em nosso "relacionamento". Não queria forçar as coisas, queria aproveitar cada passo. E eu sinto que teremos futuro.

Te vejo no futuro.Onde histórias criam vida. Descubra agora