CATORZE

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Amarrei as cordas do patins, coloquei as luvas e o último casaco. Encarei o horizonte, o crepúsculo enfeitava o céu e se refletia na água congelada do lago. Olhei para Marco que já estava de pé pronto para irmos patinar.

Era loucura? Sim, mas valia a pena.

No deque, Helen nos encarava. Ela ficaria ali se alguma coisa acontecesse. Duvido que o gelo quebre, a camada fria está densa e nos aguenta.

— Vamos? — concordei me levantei indo até o gelo.

Era diferente, mais liso e pedia mais equilíbrio. Mas, não era um monstro de sete cabeças.

Deslizei devagar, testando a resistência. Sorri quando percebi que daria para acelerar, Marco deu o primeiro impulso forte levantando a mão para cima dando um grito eufórico. O acompanhei, sentindo a ponta do meu nariz congelar.

Eu amava essa sensação, de estar livre, apenas eu, patins e gelo. Mas, apesar de tudo, aquilo para mim era apenas lazer, diversão. Não era meu plano ganhar minha vida com esporte. Claro que, se eu escolhesse fazer parte do mundo esportivo eu certamente ficaria rico. Bem mais rico que ser um escritor.

Porém, eu não estava ligando para o dinheiro. Eu queria ter o prazer de levantar todas as manhãs e sorrir, sabendo que faço o que amo.

— Meninos — escutei Helen o gritar — Façam o giro da Barbie!

Olhei para meu amigo que riu concordando. Lá vai um segredo, eu e Marco já fizemos algumas aulas de patinação artística. Por que? Não faço ideia. Durou seis meses mas, depois que a moda passou desistimos. Os passos estavam ficando difícieis demais também.

Só que isso já fazia seis anos. Nós éramos magros, sem músculos e mais flexíveis do que éramos hoje.

E sobre o giro da Barbie, Helen se referia ao filme A magia de Aladus que assistíamos quando criança junto a Marley.

Mesmo sabendo que podeira dar muita coisa errada nos afastamos alguns passos e começamos a rodar. Marco soltou uma gargalhada quando pegamos impulso começando a girar como Beyblade.

E como eu disse, estavamos sem técnica, não sabíamos mais controlar a velocidade.

Batemos de testa um no outro fazendo um dor absurda surgir na minha cabeça e na minha bunda já que caímos como batatas no gelo. Doloridos, com futuro galo na testa mas, com um sorriso na cara.

— Atrapalhou meu show — mostrei o dedo do meio para ele.

— Eu gravei, mãe! — olhei para a janela do andar de cima onde Marley estava balançando o celular.

— Essa é minha garota — a tia gargalhou.

— Você vai apagar isso! — meu amigo gritou se levantando, ela negou — Não?! Ah, você vai sim.

Ele começou a deslizar pelo gelo com rapidez, eu ainda estava sentado.

Fechei os olhos por impulso por alguns segundos quando ele tropeçou em um galho que estava sobre o gelo. Vi o exato momento que seu pé torceu quando perdeu o equilíbrio.

Me apressei em levantar e patinar até ele que continuava jogado, como se tivesse desistido da vida.

— Hoje não é meu dia — sorri ajudando-o — Para. Espera, aí! Meu tornozelo, merda.

— Não força, eu te puxo.

Passei meu braço em volta de sua cintura e ele passou o seu em volta dos meus ombros. O firmei, levantando-o um pouco, segurando quase todo seu peso. Comecei a deslizar devagar até a borda onde Helen já nos esperava. O sentei na neve e comecei a tirar seus patins enquanto ele resmungava de dor.

Também tirei os meus, colocando a chinela.

Por sorte, Helen já trabalhou no hospital, não como enfermeira mas, recepcionista. Por causa de suas amigas que trabalhavam na área da saúde ela sabia fazer algumas coisas e fez o que precisava de fazer colocando o pé no lugar fazendo Marco gritar jogando a cabeça para trás, sem se importar com a neve. Éramos acostumados a nos machucar mas, isso não amenizava a dor.

— Não da pra saber se quebrou, temos que ir no hospital — o garoto negou.

— Não, hospital não — segurou a mão da mãe — Amanhã é véspera de natal e eu sei que só deslocou. Sinto isso.

Helen suspirou. Ponderando.

— Se continuar doendo, me avisa. Por favor, filho — ele assentiu enquanto ela pegava os nossos patins.

Voltei a ajuda-lo, levando-o para dentro da casa. Deitei ele sofá, e logo o mesmo começou a receber atenção da mãe. Me retirei dali. Não sentia inveja mas, acho que ficava triste por ter Helen como mãe. Ou, apenas uma mãe de verdade.

Subi as escadas, querendo tomar um banho e esquentar meu corpo.

— Marco está bem? — parei no meio do corredor e olhei para o quarto onde Marley estava.

Entrei no cômodo depois de pedir.

— Sua mãe já colocou o osso no lugar — ela fez careta — Por que não vai lá?

— Nunca sei o que dizer quando uma pessoa está machucada — deu de ombros, apertando seus dedos um nos outros como se estivesse a beira de um colapso.

Coloquei minha mão nas suas, fazendo seus músculos relaxarem. No entanto, os meus errijeceram no mesmo instante que senti um cócega dentro da pele. Como um choque que se toma quando desliga ou liga  o registro de pressão de alguns chuveiros.

Seus olhos castanhos dourados encararam-me. Suas mãos se mexeram dentro da minha, devolvendo o aperto.

— Tenho certeza que se você der um abraço, ele vai ficar satisfeito — minha voz saiu baixa.

Olhei para sua boca, tão chamativa . Rosa, carnuda e com um brilho que talvez seria um protetor labial contra o frio. Mas o que está acontecendo?

— É, talvez — sussurrou — Vou fazer isso.

Ela desfez o toque e se levantou, ficando na minha frente. Marley abraçou o próprio corpo, fazendo suas mãos sumirem dentro do moletom preto.

— Obrigada, Adrian.

Suspirei quando ela saiu do quarto. Passei a mão no cabelo, bagunçando-o. Com a cabeça girando, fui para o banho.

Te vejo no futuro.Onde histórias criam vida. Descubra agora