Apenas o começo

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O quarto mais amplo da mansão Villar, pé na areia, perto de uma reserva de Mata Atlântica preservada pelo Conglomerado Villar, pertencia à filha do poderoso empresário e sua esposa, professora de espanhol e dona de um cursinho de línguas popular na cidade.

A jovem aproveitava o quarto amplo e a varanda, com vista para o mar, para deixar fluir a criatividade: em um ambiente do cômodo, dois manequins, apenas com o busto e as pernas, estavam repletas de tecidos coloridos e fluidos, como a água do mar. Ela era estudante de Moda, vista como talentosa pelos professores, e já recebera propostas para trabalhar em coleções para lojas hypadas de Salvador.

Mas naquela tarde, Valentina Barbosa Villar não estava criando. Na verdade, a jovem parecia tensa, nervosa, longe da moça doce e de personalidade sensível que todos conheciam.

Hugo Moriyama, estudante de Administração em meio a um TCC, ouvia suas dúvidas e desabafos com atenção, mesmo com Valentina olhando para um ponto às costas do amigo, parecendo preocupada em ser flagrada com o amigo ali, naquela situação. O motivo era porque ela confessaria algo sério a Hugo, a única pessoa (além dos pais, irmãos e dos primos Manoel, filho de tia Gabi, e Jasmine, filha dos tios Marcel e Luciana) em quem ela confiava e confidenciava seus segredos.

- Hugo, eu vou completar 21 anos e não fiz nada que as minhas amigas fazem! Nada! Nunca fui pra festa, nunca viajei sozinha, o intercâmbio eu fui com Dani e Heitor! Pelo amor de Deus, e ainda sou cercada de seguranças!

Os olhos amendoados da jovem se avermelharam; ela parecia chorar dali a alguns instantes.

Hugo entendia a preocupação dos irmãos e do Sr. Villar: era criança quando o pai lhe falou sobre o sequestro de Tina, mas entendeu pouco tempo depois que os Villar protegiam e mantinham a jovem longe de qualquer perigo.

- Mas você... Sabe por que eles pensam assim, né?

- Eu sei! Mas... Hugo... - sussurrou no ouvido do rapaz, que disfarçou o quanto pôde sua reação ao perfume de morango que vinha dos longos cabelos cacheados da amiga.

Não apenas aquele perfume; não podia registrar o efeito que a proximidade de Valentina, seu sorriso, a forma como as maçãs do rosto subiam quando ela gargalhava, seus olhos sempre maquiados com delineador fino, preto, e a sombra verde, faziam nele.

Era sua amiga. "Sua amiga, sua melhor amiga, pare com isso, man! Se Heitor, Daniel e Sr. Villar descobrem, eles me cortam em três partes!"

- O... O que foi, Tina?

- Eu... Eu nunca beijei ninguém!

Ele ficou surpreso, boquiaberto.

- Como assim?

- Ninguém. Como eu vou beijar alguém, Hugo, se nem sair eu saio? Não dá pra ir nas festas da faculdade, e na turma de moda, as meninas bombadas são bem padrão.

- Esses caras são idiotas, Tina, você é linda! Não apenas isso: você é linda, inteligente, sensível, é a melhor estilista que eu conheço!

- Futura estilista...

- Pra mim você é uma estrela, Tina! É... É ridículo que os caras não percebam isso!

A jovem piscou os olhos repetidamente. Hugo achava tudo aquilo dela? Ela adorava conviver com Hugo, era seu amigo e a tratava como uma pessoa normal, não como uma boneca de porcelana fácil de quebrar. Além disso, ela gostava de olhar para ele: a forma como ele mexia os cabelos e penteava com os dedos, o rosto quadrado, masculino, aquelas covinhas que ele fazia quando sorria, o jeito que ele a encarava, olhos nos olhos, quando os dois conversavam.

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