Novos começos

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Linda narrando

Na segunda-feira, minha nova rotina começou. Minha família e Bruno tinham ido embora e agora eu era oficialmente médica. Consegui alguns plantões para dar nessas semanas para juntar um dinheiro e por em prática esses anos todos de estudo. Organizei também os conteúdos que eu revisaria para a prova de residência naqueles dias. Eu tinha uma casa no Rio de Janeiro em meu nome, deixada pelo meu pai, mas estava pensando em vendê-la para comprar um apartamento. Meu pai me deixou em uma situação financeira confortável, dinheiro nunca foi um problema para mim, embora também eu não me importasse com essa herança. Tudo que eu queria era fazer o meu próprio patrimônio e viver bem com o suor do meu trabalho.
Eu e Bruno nos falávamos todos os dias, quando tínhamos tempo. Ele estava treinando muito para um campeonato importante e eu estava me adaptando à ideia de ser médica e não mais estudante. Também estava me acostumando com a ideia de ter um namorado após tanto tempo. Minhas experiências com namoro não foram as mais agradáveis possíveis. E, embora eu tivesse feito o pedido de coração aberto, tinha medo. "Ame e se permita ser amada" lembrei das palavras de meu pai na carta em que recebi no dia da minha colação de grau. Eu tinha que me permitir, eu só não sabia como. Resolvi marcar novas sessões de terapia com meu psicólogo que me acompanha desde que vim morar em Salvador. Era um momento de grandes mudanças e eu precisava de apoio psicológico. Não era o momento de neglicenciar minha saúde mental. Como eu cuidaria da saúde de outras pessoas se não cuidasse da minha?
Os primeiros plantões foram tranquilos, mas eu estava tensa. Não havia mais preceptores para me dizerem se minhas condutas estavam corretas. Agora, era tudo por minha conta. E assim seria de agora em diante. Tive medo de voltar ter as crises de ansiedade e pânico que eram recorrentes em certa fase da minha adolescência e início da vida adulta. Por isso, resolvi que marcaria duas sessões por semana de terapia enquanto eu morasse em Salvador.
Assim que voltei à terapia, senti um alívio dentro de mim. Voltei a prestar atenção aos sinais que meu corpo me mandava e saber o momento de parar e simplesmente respirar fundo. Minha qualidade de vida melhorou bastante a partir daí. As inseguranças faziam parte do caminho, mas eu não podia me deixar paralisar por elas. A mesma lógica servia para as mudanças que eu estava vivendo na minha vida agora. Em breve, eu estaria morando em outra cidade, se tudo desse certo com a prova de residência e seriam mais coisas novas para lidar. Eu precisava estar pronta. Tenho mania de querer ter controle total da minha vida e isso é um problema, a vida não segue uma linearidade. E eu me recusava a entender isso.

Na semana de viajar para a prova no Rio, eu e Bruno nos falávamos mais ainda. Estávamos com saudades um do outro e ele tentava me acalmar. Eu tinha medo de ser reprovada na prova, mesmo sabendo que mais um ano de estudo não seria o fim do mundo. Também falei muito com meus avós paternos, para que eles ficassem cientes de que em pouco tempo eu poderia cuidar deles mais de perto. Queria comprar um apartamento no mesmo bairro onde eles moravam. Seria o melhor para todos nós. Pedi a ajuda de Bruno para achar uma corretora de imóveis para me orientar na venda da casa que meu pai me deixou. A casa onde ele viveu seus últimos dias ficou para Roberto, que vive lá até hoje. Marquei também um almoço com Beto, ao me lembrar disso. Sabia que conversar com ele me ajudaria muito nesse momento. Uma nova vida estava começando, embora eu estivesse apenas voltando para a cidade onde nasci.
Na sexta-feira, dia da viagem, eu mal conseguia acreditar que aquele dia tinha chegado. Em 2 dias, eu faria a bendita prova que definiria os próximos anos da minha vida. Gabi se ofereceu para me levar até o aeroporto e eu aceitei. Conversamos bastante no caminho e aquilo acalmou meu coração. Ter uma amizade tão sólida quanto a nossa naquele momento fazia toda diferença. Mesmo sabendo que em breve não estaríamos mais vivendo na mesma cidade.
Bruno insistiu em me buscar no aeroporto, embora eu tivesse dito que não havia necessidade. Eu chegaria no Rio já à noite.
Embarquei e senti um frio na barriga. Aquelas próximas horas seriam decisivas para mim. Racionalmente, eu tinha ideia de que estava preparada para a prova. Emocionalmente, eu sentia medo. Tentei calar a voz da emoção e focar na racionalidade. O voo foi tranquilo e aproveitei para revisar alguns conteúdos no tablet. Era minha última revisão pré prova. No sábado, eu relaxaria e deixaria minha mente ocupada com o descanso. Domingo era o grande dia.

Ao desembarcar no Rio, Bruno estava a me esperar no saguão segurando uma plaquinha onde estava escrito "Bem vinda, Dr. Linda" e um buquê de flores. Eu nem acreditei no que vi. Estava desacostumada com aqueles gestos românticos. Corri até ele, peguei as flores e lhe dei um beijo. Ele me pegou no colo. Nosso beijo tinha tanta saudade que nem parecia que ficamos apenas 2 semanas distantes. Saímos do aeroporto e dentro do carro, ficamos conversando enquanto o som tocava músicas de pagode que Bruno gostava.

- Você topa ir jantar amanhã na casa do meu pai?
- Claro que sim. - eu disse aquilo, mas dentro de mim sentia uma tensão absurda.
- Sei que você irá almoçar com Beto, por isso optei por marcar um jantar. Ele quer muito te conhecer, as meninas e minha madrasta também.
- Também quero conhecê-los.

Eu fiquei insegura, mas não demonstrei. Não tinha um péssimo histórico em conhecer família de namorados, mas sei lá, faz tanto tempo que esse tipo de coisa aconteceu na minha vida que parece até que Bruno é meu primeiro namorado. Bem, de certa ele é. É o primeiro namorado da minha nova vida e da pessoa que me tornei após os traumas amorosos que passei. Desejo do fundo do meu coração que ele seja o primeiro e único a partir de agora.

- Você viu a corretora para mim?
- Sim, pedi ao meu pai e ele me deu o contato de uma. Vou te passar o número.
- Obrigada, meu amor. - eu disse e ele começou a sorrir - Por que esse sorriso todo?
- É a primeira vez que você me chama de "meu amor". Achei bonito. - ele pegou em minha mão. - Quer ficar lá em casa?
- Querer, eu quero. Mas tenho que passar na casa dos meus avós antes para vê-los e avisar que ficarei em sua casa.
- Me fala o endereço que nós vamos lá agora.

Dei o endereço da casa dos meus avós e fomos até lá. Seu Inácio e dona Lúcia estavam me esperando com um mega jantar preparado. Fiquei feliz ao vê-los e saber que comeria a comida da minha avó que eu tanto amava. Meu avô, que é super ligado em esportes, ficou feliz da vida ao ver Bruno em sua casa. Rapidamente, eles engataram um papo sobre vôlei e futebol e ficaram sentados na sala conversando. Minha avó ficou conversando comigo na varanda, perguntou como andava os plantões que eu estava dando e meu relacionamento com Bruno. Ela disse que nunca na vida havia me visto tão feliz como ao lado dele.

- Seu pai ficaria feliz em conhecê-lo, minha princesa.
- Tenho certeza que sim. Sinto saudades dele.
- Eu também. Todos os dias... - ela disse com um olhar cabisbaixo.

A dor que minha avó sofreu e ainda sofre após a morte do meu pai não tem tamanho. Ele era seu único filho. Amado, querido e que ainda tinha uma vida inteira pela frente. Ela sempre dizia que o maior presente que ele poderia ter deixado era eu. E eu me sentia feliz toda vez que ouvia aquelas palavras, como se de alguma forma, ao ouvir aquilo, a falta que meu pai fazia ficasse menor.
Nos sentamos todos juntos para jantar. Meu avô contou para Bruno a história de como ele conheceu a minha avó e de como ele era feliz ao seu lado naqueles quase 50 anos de casamento.

- Espero um dia poder fazer 50 anos de casado com sua neta também. - ele disse e pegou minha mão.
- Ela é uma menina de ouro. Vocês serão muito felizes. - minha avó disse.

Eu fiquei completamente corada ao ouvir  Bruno dizer aquilo e com o coração disparado. Nunca idealizei me casar, era apenas uma possibilidade em aberto que poderia ou não acontecer. Por um lado, eu fiquei feliz ao ouvir ele dizer aquilo, mas por outro fiquei aflita. "Ame e se permita ser amada" lembrei das palavras do meu pai mais uma vez.

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E aí, gente? Será que Linda vai conseguir perder todos os seus bloqueios com relacionamento?

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