Linda narrando
Fazia duas semanas desde o enterro de Caetano. Fiquei em Salvador, na casa de Gabriela, cercada pelos meus amigos.
Nesse meio tempo, tomei a decisão de me desligar da residência. Eu já havia perdido muito, voltaria completamente atrasada e prejudicaria meu aprendizado. Meu chefe, Dr. Alberto, não ficou nem um pouco contente com minha escolha, assim como meus amigos do hospital, exceto Rodrigo. Conversamos um pouco por telefone e ele me disse que essa seria a melhor decisão que eu poderia tomar e que tinha certeza de que eu passaria novamente no próximo ano, com sorte ele seria um dos meus chefes se isso acontecesse.
Comprei uma passagem para ficar um final de semana com minha mãe em São Paulo antes de voltar pro Rio de Janeiro. Eu estava protelando ao máximo meu retorno. Eu só tinha uma certeza: de que não conseguiria voltar para o apartamento em que eu e Bruno moramos. Era doloroso demais imaginar viver ali sem ter ele comigo. Desde a nossa última conversa no quarto de Gabriela, em que ele acabou com nosso namoro e saiu sem dar maiores explicações, não nos falamos. Aliás, ele me mandou uma mensagem avisando que já tinha começado a tirar suas coisas de casa, mas que ainda restavam algumas coisas, já que por causa dos jogos ele não estava com tempo para separar tudo e levar de volta para sua antiga casa. Não consegui responder. Na verdade, não tinha o que ser dito. Eu sentia o ar faltar cada vez em que um momento nosso era trazido à superfície indelicadamente pela minha mente. Todos os dias, quando eu acordava, esperava virar para o lado e vê-li comigo. Ou até acordar no meio da madrugada e cutucar ele para pedir que roncasse mais baixo - o que nunca fazia efeito. Cada lembrança dessa tinha o efeito de uma ponta de faca cutucando uma ferida aberta. Era desconfortável. E eu me sentia culpada. Eu sabia que em alguns momentos eu havia negligenciado nosso relacionamento, mas nunca foi por amá-lo pouco. Pelo contrário, a cada dia que passávamos longe e eu não recebia notícias suas, parecia que meu amor aumentava. No entanto, eu também sabia que as palavras de Bruno haviam sido muito duras e eu sabia que não merecia ouvir tudo aquilo. Meu erro, como sempre, foi ter colocado os interesses dos outros antes dos meus. Eu nunca soube não estar disponível para os outros, mesmo que isso fosse me prejudicar. E, bem, a maior prejudicada dessa história toda tinha sido eu, para variar.
No dia de ir embora, Gabriela me levou ao aeroporto junto com Pedro.
— Promete que não vai demorar de vir me ver? — ela perguntou com os olhos cheios d'água.
— Acho que vocês poderiam ir me visitar também, né? — respondi em tom descontraído.
— É, estamos te devendo uma visita mesmo, mas você sabe que a gente junto só funciona em território soteropolitano — Pedro disse com um sorriso meio morto no rosto.
— Discordo. A gente funciona em qualquer lugar — completei.
Demos um abraço e eu segui para a sala de embarque. Acho que eu nunca me acostumaria a deixar Salvador. Mesmo sabendo que lá não era mais meu lugar, parecia que aquela cidade me abraçava por cada lugar que eu andava.
Entrei no avião e adormeci. Deixei meus pensamentos no mudo por um tempo. Até acordar com o aviso de que já iríamos pousar.Minha mãe estava esperando por mim no aeroporto. Corri quando a vi. Naquele momento, me senti como uma criança que se perde e sente um alívio quando finalmente acha a mãe de novo. Deixei algumas lágrimas caírem enquanto nos abraçávamos.
— Vai ficar tudo bem — ela sussurrou e eu acreditei.
Fomos para sua casa. Seu marido estava viajando como sempre. Às vezes, eu tinha a impressão de que ele passava mais tempo no trabalho do que com a minha mãe. Nunca a vi queixando-se disso, mas eu não gostava muito, também nunca disse nada do que eu achava. Entramos no apartamento e havia uma mesa nos esperando. Logo senti o cheiro de bolo de cenoura com chocolate.
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Só nós dois
Genel KurguLinda é uma mulher feliz e que não estava à procura de um relacionamento. Conhece um grande amor, chamado Bruno Rezende. Ela precisa aprender a lidar com as mudanças em sua vida com a chegada dele e a vida pós faculdade. No entanto, uma pessoa do pa...