02- Vou Tentar

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- Entra, mas não repara na bagunça. - Me disse Lúcia no dia seguinte ao me receber na porta de seu apartamento.

- Passou um furacão aqui?

Sua sala realmente estava uma bagunça, cheia de roupas e malas espalhadas, além de restos de Delivery, que já deveriam ao mesmo ter sido levados pra cozinha, mas que permaneciam sobre a mesinha de centro. Por qual motivo? Vai saber.

Entrei e, enquanto fechava sua porta, lá de seu quarto, Lúcia me gritou, dizendo:

- Não sou tão organizada quanto você, né.

- Sempre soubemos disso! Cadê o Enzo? - Perguntei enquanto cruzava a selva de pano.

- Deixei com o pai, não vou levá-lo não, por mais que esteja indo pra casa da minha família, eu também to precisando de uma folginha do meu menino de 3 aninhos que não pára de correr de um lado pro outro.

Parei junto ao beiral da porta e percebi que seu quarto estava pior do que o resto da casa. Havia tanta bagunça que realmente comecei a me perguntar se aquilo tudo não era na verdade uma fuga, pois não havia explicação lógica pra tanta desordem, mesmo que esta viesse de Lúcia.

- Garota, o que houve na sua casa? - Perguntei apreensiva enquanto analisada e, com o rosto, julgava.

- Ah, menina! Nem sei te explicar. - Respondeu parando ofegante e olhando pra mim. - Só sei que ficou tudo assim e hoje a Ana não vem pra arrumar, então to eu aqui tendo que me virar sozinha.

- E por que a Ana não vem hoje?

- Porque ontem eu recebi um "amigo" aqui em casa e como não sabia como ia ser, queria privacidade, aí a dispensei do dia de hoje.

- E foi bom pelo menos? - Perguntei rindo.

- Não muito, mas pelo menos botei pra fora... os hormônios, no caso. - Riu com cara de safada. - Você podia me ajudar, né?

- Não faço isso nem a minha, você acha mesmo que vou fazer aqui? - Brinquei.

Lúcia respirou fundo enquanto arregalava os olhos e disse:

- Te conheço, sei que nem chantagem te faz me ajudar.

- Não mandei dispensar a Ana. - Falei enquanto dava-lhe as costas e voltava pra sala. - Cadê as benditas chaves? Será que você será capaz de achá-las?

- Ta com pressa pra quê? Sossega o facho aí, vai ficar 30 dias sem me ver e já ta querendo ir embora? - Me perguntou ainda lá de dentro.

- Eu também tenho minhas coisas pra arrumar, né.

Me escorei no braço de um dos sofás e fiquei esperando-a surgir no correr, pois sabia que iria fazê-lo e foi dito e feito. Lúcia surgiu enquanto ajeitava seus cabelos num rabo de cavalo improvisado e me perguntou:

- Vai pro Rio quando?

- Segunda.

- E ta com pressa por que se ainda é sábado?

- Sabe quando você sente que tem alguma coisa pra acontecer, mas você não sabe o que é? - Perguntei pensativa e apreensiva.

- Ih! Não começa com suas premonições pelo amor de Deus!

- Falei sério. - Reclamei emburrada.

- Eu também! A última vez que você veio com isso minha mãe se machucou e agora vamos passar nossas férias separadas, lembra disso, ô mãe Diná?

- Aquela da sua mãe assustou até a mim. - Eu ri. - Graças a Deus que ela ta bem, mas foi um baita susto.

- Pois é, pior ainda que você um dia antes já veio com esse papo sensitivo de que alguma coisa ia acontecer - Falou enquanto catava o Delivery e o levava finalmente pra cozinha. - e agora você repete às vésperas das duas pegarem aviões, lembrando que eu ainda vou pro cú do País.

Eu ri enquanto me levantava pra acompanhá-la até a cozinha, pois realmente era engraçada a forma que aquela maluca falava das coisas, e disse:

- Ah! Mas agora ta diferente, não parece que é algo ruim, só não parece ser algo realmente bom.

Lúcia só me olhou pelo canto dos olhos enquanto fazia uma singela careta com a boca, depois disse:

- Que Deus nos guarde dessas suas premonições minha digníssima escorpiana, não to afim nem de morrer e nem de perder nenhum membro do corpo.

- Me dá logo a chave, preciso ir pra casa fazer minhas coisas.

Lúcia entrou e voltou tão rápido da cozinha que nem deu tempo de que eu entrasse para acompanhá-la, logo já surgiu com as chaves erguidas em uma das mãos enquanto me olhava com um sorriso debochado e tendencioso, e disse:

- Espero que essa sua premonição seja um belo par de pernas em volta da sua cabeça, pra ver se consegue te fazer seguir finalmente a porra da sua vida.

- Mas eu to seguindo a minha vida.

- Eu vejo. - Sarcasmo. - Ta seguindo maravilhosamente para o abismo da solidão e depressão, mas como você se finge de forte e fodona, acha que eu, que sou sua melhor amiga, não vou perceber.

Peguei as chaves enquanto sentia uma energia estranha percorrer pelo meu corpo. Respirei fundo, olhei pra Lúcia novamente e, me sentindo profundamente apreensiva e preocupada, perguntei:

- Você acha mesmo uma boa ideia essa viagem?

- Meu amor! - Me respondeu sorrindo enquanto me segurava em ambos os braços. - Eu tenho certeza, agora para de paranóia e se permita ser feliz. Promete?

- Eu vou tentar. - Dei um sorriso frouxo. - Vou tentar.


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LGBT - Quando AconteceOnde histórias criam vida. Descubra agora