14- Comecei a Gostar

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Comecei a acordar um pouco antes de conseguir realmente abrir meus olhos. Meu corpo estava cansado, afinal, há algum tempo não dormia em horários como aquele, mas estava em paz, tanto por dentro, quanto por fora, pois havia um silêncio tão gostoso no ambiente que, se eu ainda quisesse, conseguiria facilmente dormir mais um pouco, mas não quis, até porque me lembrei de Camila.

Abri meus olhos devagar e a procurei pelo espaço, mas ela não estava deitada ao meu lado. Olhei melhor ao redor e constatei que estava realmente sozinha naquele quarto.

– Ué? Onde ela ta? – Falei comigo mesma.

Me levantei em meio a bocejos, olhei meu celular e vi que ainda era pouco mais das 10h da manhã. Havia mensagens de Lúcia me perguntando como eu estava e dizendo que sua viagem estava sendo um saco. Rapidamente a respondi dizendo que estava acordando e que depois passava-lhe um relatório mais aprofundado a respeito, até porque, naquele momento, não tinha como mencionar a presença de Camila no apartamento senão não faria mais nada além de contar as novas fofocas para minha amiga, que sofre de ansiedade.

Saí pelo apartamento a sua procura e quanto mais me aproximava da cozinha, mais forte ficava o cheiro de café e de outras coisas que, ao menos pelo aroma, pareciam estar deliciosos, e foi assim que eu soube que não precisava olhar mais pelos outros cômodos e que sim, ela ainda estava por ali comigo, agora, se isso era bom... bem, eu fiquei feliz em saber que sim.

– O que você ta aprontando aí, hein? – Perguntei parando no beiral de entrada enquanto a via mexendo em alguma coisa no fogão.

A mesa da cozinha estava posta, ou seja, estava arrumada e já haviam algumas coisas interessantes e cheirosas sobre ela. Era engraçado e estranho vê-la ali cozinhando, ainda mais porque nem eu tinha essa pretensão. Enfim. Camila me olhou surpresa e sorriu como quem acaba de ser pega fazendo travessuras, e disse:

– Ah! Acordei cheia de fome e pensei: Por que não?... Aí to aqui. – Brincou.

Eu sorri enquanto via seu semblante se desfazer do sorriso para uma expressão mais séria, mais, não sei, mais angustiada talvez. Camila caminhou em minha direção com os olhos fixos em meus lábios e me beijou. Eu a segurei pela cintura enquanto ela segurava meu rosto e nos beijávamos.

Aquele toque, aquele cheiro, aquela pele, enfim, tudo que a representava me causava um arrepio tão profundo e tão imediato que me fazia sair de mim, era como se entrasse em transe, como se ficasse hipnotizada, ou algo assim. O nosso encaixe era simplesmente perfeito, nossos lábios pareciam terem sido feitos para estarem juntos, pois nossos movimentos eram tão coordenados que, mesmo que errássemos, ainda assim seria um beijo perfeito.

Antes que pudesse pensar com uma maior profundidade ela se afastou, não de forma brusca, mas sim com delicadeza e, ainda ali, testa com testa, me disse:

– Foi muito bom ontem e está continua sendo o fato de estar aqui ainda, mas – Afastou um pouco mais o seu rosto para me olhar. – é melhor a gente ficar na amizade, na amizade mesmo. – Riu. – Parece loucura dizer isso depois de te beijar, mas é que precisava fazer isso antes de te falar o que acabei de falar.

Eu a olhei confusa tanto com o que havia acabado de acontecer, quanto com o que ela havia acabado de me dizer e perguntei:

– Eu fiz alguma coisa que te chateou?

– Não! – Respondeu de pronto. – Eu nem imagino o que ta passando na sua casa a meu respeito, mas um dia eu te explico... se for o caso, juro.

– Ta bom, então, sem problema. – Sorri o mais meiga possível.

– Agora senta e come. – Disse ela voltando a sorrir enquanto voltava para o fogão. – To terminando uma calda aqui e já vou sentar também.

– Eu espero, não tem problema não.

Aquele momento parecia ter mexido comigo mais do que eu imaginei que mexeria e não entendi, afinal aquela ideia era a melhor, pois eu não estava em condições de me envolver com ninguém e ela não era mais qualquer pessoa pra mim, embora, na verdade, nunca tenha sido.

Me sentei reflexiva enquanto tentava manter as aparências de uma boa amiga e continha os meus instintos, que a pouco haviam sido abalados por seu toque. Aos poucos a realidade foi retornando a minha mente e, me dando conta de que ainda era dia de semana, perguntei:

– E seu trabalho? Não vai trabalhar hoje não?

Sem se virar pra mim, com uma voz brincalhona, respondeu:

– Já quer se livrar de mim, paulista?

– Não disse isso. – Brinquei.

– Hoje eu to de folga, mas pode ficar tranquila que já já te deixarei em paz. – Me olhou sorrindo.

– Ah! – Expressei. – Se você ta de folga e é minha "amiga", – Brinquei enquanto ela me olhava de lado. – você podia me ajudar a conhecer essa sua Cidade. O que acha... carioca?

– Eu até poderia fazer isso e seria um enorme prazer, – Me respondia enquanto mexia na panela. – mas não tenho dinheiro pra te acompanhar, se não eu juro que iria.

– Ah, mas é um convite meu, até porque nunca vim realmente aqui e nem conheço mais ninguém além de você, poxa. – Chantageei.

Camila desligou o fogão, se virou pra mim com cara de quem se sente incrédula e, enquanto sorria, disse:

– Você realmente saiu lá de São Paulo sem conhecer nada e nem ninguém daqui do Rio?

– Você não conhece o poder de persuasão da minha amiga. – Brinquei me referindo a Lúcia. – Aproveita esse seu dia de folga e me faz companhia. – Sorri com cara de criança. – Você já me apresentou ao prato e sobremesa favoritos da Camila, agora me mostra os lugares também. Por que não? – Sorri igual criança de novo.

Camila sorria e me olhava com um olhar cerrado enquanto balançava a cabeça levemente de um lado para o outro. Após respirar fundo, ao fim de um breve silencio, me respondeu, dizendo:

– Não agüento contigo, paulista, mas eu vou, vou te levar pra conhecer alguns lugares que você não encontra nos cartões postais, aí depois você decide se gosta da minha Cidade, ou não.

– Já comecei a gostar. – Respondi sorrindo.


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