36- Vamos Embora

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No dia seguinte, sentada no sofá da sala, tentei ligar pra Camila, mas não houvesse sucesso. A primeira ligação chamou até cair, depois, nas seguintes, percebi que minha chamada foi encerrada enquanto devia estar tocando, ou seja, ela não queria falar comigo, fosse pelo motivo que fosse, e nem tive a real chance de me explicar.

– Ela não tá te atendendo? – Me perguntou Lúcia, surgindo vinda dos quartos.

Eu a olhei frustrada e respondi com um gesto de cabeça. O sentimento era exatamente esse de frustração, ainda mais porque não sabia exatamente onde Camila morava, então não havia o que fazer além de aceitar e esperar, por mais que quisesse muito falar com ela.

– Não insiste, pelo menos não por enquanto, ela ainda deve estar bem chateada com a situação de ontem. – Me disse Lúcia com uma fisionomia bastante empática de tristeza.

– Não tem jeito, se eu insistir vou estar sendo inconveniente e não é isso que quero.

– Pena que você não sabe onde ela mora

– Pensei nisso também, mas mesmo assim ainda cairia na ideia de ser inconveniente.

– Sim, mas tem gente que às vezes fica só esperando um pouco mais de insistência, independente de ser inconveniente, ou não. – Disse ela.

– Verdade, mas não acho que esse seja o caso, principalmente por causa da situação da ex em mistura com todo o resto... acho que ela deve estar bem mexida e, talvez, esteja sentindo por mim o mesmo que sentia sobre falar do trauma.

– Tipo um bloqueio, isso?

– Acho que sim.

– Faz sentido. – Disse ela enquanto se sentava no braço do outro sofá. Me deitei e fiquei olhando pro teto. Lúcia completou. – O que você tá sentindo?

– Sinceramente? Não sei dizer... tenho uma sensação de que não era pra terminar assim, é como se esse final estivesse errado, mas não tenho o que fazer a respeito.

– Eu tenho a mesma sensação.

Nos olhamos em silêncio e respiramos fundo, ainda sem nada dizer. Era engraçado como essa nossa conexão ainda era tão viva, mesmo depois de Beatriz ter tentado nos afastar. Lúcia era minha irmã de alma, a irmã que não tive e que, mesmo que tivesse, talvez não fosse como somos porque a vida é assim e tá tudo bem.

Uma lágrima solitária e silenciosa escorreu de um de meus olhos, então me sentei novamente no sofá na tentativa de abafar aquela emoção, respirei fundo novamente, olhei pra Lúcia, e perguntei:

– Vamos focar no que podemos fazer?

– Surtar e chorar, ou tomar café da manhã?

– Tomar café da manhã.

– Ótimo, acordei cheia de fome mesmo. – Disse ela enquanto se levantava, mas antes de sair da sala, me olhou novamente e perguntou. – O que você vai realmente fazer a partir daqui?

– Não tenho muito o quê fazer. Vou voltar pra São Paulo, vou terminar minhas férias por lá mesmo. Eu amei o Rio de Janeiro, mas nesse momento essa Cidade não faz sentido pra mim sem ela.

– Letícia, você não é pobre, vai sofrer viajando, mulher! – Brincou.

– Não tem um meme que é assim? – Perguntei sorrindo enquanto me levantava.

– Tá muito entendida de meme, hein, senhora. – Brincou.

Tomamos nosso café e senti que ela tentava brincar um pouco mais do que o normal, provavelmente por saber do meu estado de espírito, e foi bom, foi muito bom estar com Lúcia naquelas últimas horas, por mais que eu prefira sofrer sozinha, sua presença e seu jeito me fez me sentir acolhida, e acho que preciso aprender a deixar as pessoas me acolherem... me amarem.

Em seguida, na santa paz, comecei a arrumar minhas malas, recolhendo cada objeto particular que estivesse espalhado pelo apartamento. Essa ação me trazia muitas lembranças, que eram maravilhosas, mas que pareciam facas entrando no meu peito e me roubando o ar... exagero? Bem, quem tava sentindo era eu.

Fomos pro aeroporto e conseguimos um encaixe de última hora, apenas precisaríamos esperar. Como já era um pouco mais de meio dia, nos sentamos em um restaurante e almoçamos. O valor foi da hora da morte? Foi, mas pra alguma coisa tinha servir trabalhar igual uma condenada e conseguir crescer da forma que cresci.

Nosso horário do vôo chegou, foi ali que meu coração se apertou ainda mais. Eu olhava ao redor como se uma cena de filme pudesse acontecer, mas a realidade era que Camila nem sabia que estávamos indo embora, quanto mais a hora que isso aconteceria, então não, ninguém apareceria gritando meu nome e me pedindo pra ficar... vida real, né amores.

Tentei ligar uma última vez pro telefone dela, mas agora a chamada nem completava, nem tocava. Provavelmente ela havia desligado o aparelho justamente pra evitar que eu fizesse novas chamadas, ou ele simplesmente descarregou e eu tava aqui me achando a última bolacha do pacote em pensar que Camila o havia desligado por minha causa, sei lá.

– Nada? – Me perguntou Lúcia.

– Nada.

– Então é isso, vamos embora.

– De volta pra selva de pedra. – Suspirei.

– Não esquece da terapia.

– Contigo na minha vida "esquecer" não será uma opção. – Brinquei.

– Ainda bem que você sabe.

Rimos, mas eu sabia que era exatamente do que precisava, precisava voltar e cuidar de mim, cuidar das minhas feridas... dos meus traumas. Decidi me dedicar realmente a minha terapia, decidi desfazer meus ciclos e minha auto sabotagem e, o que tivesse que acontecer, iria acontecer, tava nas mãos de Deus, mas, verdade seja dita... saudade? Tinha... tinha muita.

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LGBT - Quando AconteceOnde histórias criam vida. Descubra agora