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O batuque dos tambores ecoava pelo lugar.

Silhuetas dançavam ao redor do fogo e a multidão assistia com reverência.

Laranja, amarelo e azul brilhavam na noite mais escura do ano, enquanto a tribo se reunia para o ritual de sacrifício.

Yanka passava de forma sutil por trás das pessoas. Um passo de cada vez, um pé colocado cuidadosamente na frente do outro. Mais um pouco e estaria fora.

Foi quando avistou o limite da tribo que sentiu um puxão violento na sua trança e ela foi arrastada para longe.

Seu captor, o Velho Urso gritava e chamava a atenção da tribo, enquanto a arrastava de forma humilhante até o centro da fogueira. A música parou e o homem enorme apontou jocosamente para ela.

- Olhem, meus irmãos! A noiva, nossa oferenda para os deuses, estava fugindo!

Yanka, no chão, ergueu as mãos para proteger a cabeça quando a tribo zombou dela, as expressões vazias não combinando com as palavras odiosas que saiam de seus lábios.

- Parem! – Ela se levantou com dificuldade, a pele das costas ardendo onde fora arrastada na terra. – Não podem achar que se me oferecerem em sacrifício a esse deus estranho nossa tribo vai ser abençoada!

Velho Urso socou seu rosto, jogando-a de volta no chão.

- O deus dessa tribo não existe mais! Agora nós adoramos outro, e esse precisa de um sacrifício para que nós prosperemos!

Humilhada, ela trincou os dentes. Tudo começara quando aquele homem nojento aparecera na pacífica tribo Cati. Yanka chegara dias depois, vinda da tribo Tote e sua reunião anual de líderes. E para sua surpresa, ela encontrara seu povo reverenciando um homem de fala mansa e jeitos encantadores, que não enganou em nada Yanka.

- Você tentou me desposar e matou todos os que vieram comigo da tribo Tote! – Ela levantou e o empurrou em direção a fogueira. – Eu me recusei a aceitar tudo, e é por isso que você inventou essa história maluca sobre sacrifício para acalmar os deuses! Nossa Grande Deusa Mãe nunca foi cruel ou exigiu uma coisa tão horrível no meu povo!

- E é por isso que todos vocês estão em desgraça! – Velho Urso agarrou sua cintura e a jogou longe. Arfando, Yanka lutou para se levantar, mas desabou de volta – São o povo mais servil e mais fraco do continente! Não dominam, não ferem, não sonham alto! Vocês poderiam dominar todos esses idiotas que os cercam, mas não! Preferem comer folhas e murmurar sobre quanto são pacíficos! Porca imunda!

Ele chutou suas costelas e ela rolou, a dor sobrepujando a vontade de gritar e salvar seu povo das mãos daquele homem.

Na periferia de sua visão, seu pai apareceu.

- Pai... – Ela estendeu a mão na direção do chefe da tribo, mas com um olhar vazio na sua direção, ele lhe deu as costas.

Velho Urso agarrou sua cabeça e puxou de forma dolorosa.

- Devia ter me deixado tomá-la quando teve a oportunidade – ele rosnou para ela, e com um sorriso sujo se afastou.

Yanka deitou a cabeça, exausta.

Sua tribo, sua família, seu tudo. Estavam perdidos e todos haviam lhe dado as costas, até mesmo seu pai. Ouviram as palavras de um lunático com respeito e esqueceram a grande deusa, mãe da tribo e seus ensinamentos. Em seu lugar, adoravam um deus que só traria mortes e destruição.

Ela virou o corpo levemente na direção do anel de árvores que se estendia no limite da tribo e estendeu sua mão, como se tentasse agarrar algo. Deixou uma lágrima rolar e entoou baixinho:

- Grande mãe,

Tu que reges o sol e a lua

Que nos vestiu e alimentou quando precisamos,

e permitiu que prosperássemos mesmo no inverno.

Você que veio quando mais precisávamos,

e se foi quando estávamos felizes.

Precisamos de seu cuidado novamente,

Para podermos sobreviver a essa provação.

Yanka fechou os olhos, entoando por ajuda. Pegou o colar de concha que sempre levava, e que era a única coisa que herdara de sua mãe antes que ela morresse.

- "Yanka... – A lembrança, desbotada pelo tempo, a fez chorar mais ainda – quando tudo parecer perdido, sopre esse colar. A ajuda será enviada, mas lembre-se: Toda ajuda, tem um preço. E ele será cobrado, mais cedo, ou mais tarde."

" Eu pagarei qualquer preço", ela pensou, levando a pequena concha aos lábios e soprando, "pela minha família, eu sacrificarei minha própria vida..." 

O despertar de CatiOnde histórias criam vida. Descubra agora