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Em troca de alimento e repouso, Yanka ofereceu metade dos antílopes e Kaiko, o guerreiro Wattu, ofereceu proteção a eles enquanto tivessem juntos.

Isso pareceu ser suficiente para o chefe da pequena tribo nômade parecer satisfeito.

Combinaram de viajar com eles até metade do caminho da tribo Yeta, já que seria mais fácil se esconderem no meio de muitos se a tribo Malo resolvesse caçá-los.

Quando os dois saíram da tenda enorme que abrigava toda a tribo, exauridos após uma hora de negociação, Yanka procurou imediatamente pela figura imponente de Eros no limite do acampamento.

- Você e o guerreiro pálido... - Começou Kaiko.

Yanka lhe deu um olhar de aviso. Quando Kaiko e os integrantes da tribo Wattu apareceram, ela se sentira compadecida e grata pela ajuda deles. Mas isso não significava que eles poderiam ultrapassar os limites.

- Vamos procurá-los – Respondeu, andando a frente.

Kaiko a alcançou rapidamente, o tapa olho de couro lançando sombras em seu rosto.

- Gosto de mulheres altivas como você, filha da tribo Cati. - Ele roçou o ombro no dela bem no momento em que alcançaram o lugar em que a tropa e os companheiros de Kaiko esperavam.

Os homens se levantaram, ávidos por um descanso e comida, mas os olhos de Yanka voaram imediatamente para Eros. Ele permaneceu sentado, os olhos fixos onde o ombro de Kaiko roçava no dela.

Ela mordeu os lábios. Aquele sentimento que rondava seu coração... Não sabia o que era aquilo, mas não gostava dele.

- Podemos entrar, princesa? - Tiro perguntou, parecendo que poderia desmaiar a qualquer momento.

- Claro, mas deixem metade dos antílopes. Foram nossa moeda de troca com o líder da tribo.

- Estamos na tribo Yeta? - Alexander perguntou.

- É uma tribo nômade. Existem algumas delas, que se recusam a pertencer a algum lugar.

Os homens assentiram, parecendo quase felizes pela perspectiva de poder descansar. Começaram a entrar na aldeia, e quando Eros passou por ela, Yanka colocou a mão em seu braço.

- Eros...

Ele a interrompeu com um olhar duro.

- Perdi mais homens, Yanka. - Ele murmurou. Olhou de relance para o guerreiro Wattu antes de olhar para longe – E estou terrivelmente cansado.

Tirou delicadamente a mão dela de seu braço e seguiu seus homens.

Ele parecia encurvado, exausto. O Eros sempre cheio de energia, espirituoso e dramático que ela conhecera a alguns dias parecia ter se perdido.

- Ele tem o destino de um general – Kaiko murmurou, olhando-a com atenção – E o coração de um soldado.

- O que isso quer dizer?

O homem suspirou, olhando as estrelas logo acima, pensativo.

- Quer dizer que ele é destinado a fazer coisas grandes... e se lamentar por cada uma delas.

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Yanka se certificou de que todos tinham uma tigela de comida e um lugar para dormir antes de procurar Eros. Quando perguntado, Nicholas apontara para uma direção, mas impediu que Yanka fosse até ele.

- Conheço Eros desde que era um jovem soldado – Ele falou, cauteloso – E ele nunca conheceu nada além de morte, guerra e destruição. Ainda assim, ele se isola toda vez que perde um homem... Talvez porque seu coração não pertence a esse tipo de coisa.

Yanka esperou pacientemente o homem terminar de falar. Ele mordeu o lábio.

- Não sei por que Eros está aqui, mas sei que este não é o lugar dele. E já que ele insiste em permanecer, seja cuidadosa com ele.

- Acha que eu vou gritar com ele?

- Bem...

Yanka lhe deu um tapinha no ombro.

- Fique tranquilo. Vou me certificar de tratá-lo bem.

E partiu a sua procura.

O achou no limite do acampamento, encarapitado em cima de uma pedra enquanto se limpava com um pano úmido. Ele tentava alcançar as costas enormes e desnudas e ela pousou a mão sobre a dele.

Sem trocarem uma palavra, Yanka começou a limpar suas costas. O silêncio era confortável entre eles, algo que Yanka nunca tivera com nenhum outro homem.

Depois que terminou, ela se ajoelhou de frente para Eros. Ele tentou pegar o pano de suas mãos, mas ela o empurrou suavemente.

- Eu faço.

Eros deslizou da pedra e ajoelhou na frente dela também. No luar claro, seus olhos azuis brilhavam com uma tristeza profunda.

Ela passou o pano em seu peitoral forte e definido, nos ombros musculosos, braços, cotovelos, punho e por fim suas mãos.

As analisou por um momento. Eram mãos grossas e calejadas, de um homem que guerreou a vida inteira.

- Eu treino para ser um soldado desde que tinha oito anos – Ele contou, a voz cuidadosamente desprovida de emoção – Enquanto os filhos dos amigos de meu pai estavam brincando, correndo, aprendendo a ler ou tocar algum instrumento, eu estava segurando uma arma nas mãos, até elas ficarem esfoladas e sangrando.

Ele soltou um suspiro cansado, os olhos perdidos no passado.

- No meu décimo segundo aniversário, ganhei uma espada do meu pai. E ele me mandou escolher quem dos nossos servos morreriam pelas minhas mãos – Seu olhar na direção das suas mãos era mortal, como se ele tivesse vontade de cortá-las fora – Foi a primeira vez em que matei alguém... E nunca mais as mortes pararam de aparecer na minha vida.

Ela viu o garotinho perdido naqueles olhos. O garoto que fora obrigado a se tornar um homem que não queria ser. Encostou as mãos dele no próprio rosto e falou devagar.

- Sabe o que eu vejo? Um homem forte, que fez o que foi preciso para sobreviver – Olhou para as mãos dele – Vejo mãos que fizeram o possível para que os outros vivessem – Encostou a mão em seu coração – Vejo um capitão que cuida de seus homens, chora por eles e luta bravamente por cada um.

Ele a encarou por um momento que pareceu se estender infinitamente. Uma chama pequena balançou o coração dela, um pulso de energia passando pelas suas peles.

Lentamente, a cabeça dele pendeu até se encostar no ombro de Yanka.

Ela permaneceu quieta, enquanto o grande guerreiro, o homem que a salvara de um vulcão, de animais selvagens e de vendedores de escravos chorava por seus homens perdidos.  

O despertar de CatiOnde histórias criam vida. Descubra agora