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Eros se ajoelhou ao lado do corpo de Velho Urso, arrancando o colar dele.

À sua frente, a batalha corria solta, uma mistura de homens atacando, gritando de dor e morrendo.

Ele se levantou, a raiva traspassando seu corpo.

Ele iria acabar com aquilo imediatamente.

Conjurou uma coluna de água saída do oásis de Tote, usando a fúria pela morte de Tiro como combustível para que o jorro se levantasse cada vez mais alto. Uma coluna de areia respondeu à sua forma, e Eros apertou o colar em suas mãos e o colar de Velho Urso nas mãos geladas dele, tirando sangue de ambos para que a magia funcionasse.

"Apenas pensem no que gostariam que os colares desfizessem", lembrou da instrução de Bruxo da Árvore. "como Velho Urso está morto, apenas vocês dois pensarem vai ser o bastante, conquanto que o colar esteja em contato com o sangue dos três. É por isso que eles o mantiveram, o colar precisa estar em contato com o sangue ou com a saliva para funcionar. No entanto, tomem cuidado! O resultado final pode acabar sendo imprevisível".

Eros pensou no que haviam combinado.

"Que toda a magia se desfaça. Que os desacordados acordem. Que os mortos descansem. Que a vida flua"

Inicialmente nada aconteceu.

Eros permaneceu de olhos fechados durante algum tempo, com medo do que poderia acontecer se os abrisse.

- Capitão... - Uma voz chocada atrás de si o fez entrar em alerta. O cheiro, o sol, o barulho da batalha.

Tudo havia sumido.

Ele abriu os olhos e encarou a infinidade azul a sua frente, gaivotas voando no céu acima de suas cabeças. Um desespero selvagem, do tipo que ele nunca sentiu em sua vida tomou conta de seu corpo, partindo seu coração em um milhão de pedaços, repetidas vezes.

Ele e sua tropa... estavam de volta ao Princesa Dione.

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Nem mesmo ver sua tribo acordada animou Yanka.

Muito menos ganharem a batalha e ver os Anciões caírem, por todas as atrocidades que fizeram ao povo do Continente.

Muito menos ver que apesar das baixas, seu povo havia se saído muito bem, ou que algumas das pessoas que há muito tempo haviam sumido, voltaram à vida depois de soprarem o colar.

Toda vez que ela se lembrava das comemorações, também lembrava do desespero de procurar Eros em todo lugar e não achá-lo. Ela gritou seu nome até ficar rouca, mobilizou ajuda, caminhou por horas até uma Kira ensanguentada impedir sua procura febril e abraçá-la enquanto Yanka se debatia e chorava.

Eros e sua tropa haviam sumido... como se nunca houvessem estado ali.

Além disso, o colar parecia ter perdido seu poder. Soprou até não ter mais fôlego, mergulhou em sangue e... nada. Eros não veio. A saudade doía... doía tanto que ela achou que enlouqueceria.

- Não entendo o que aconteceu... - Ela ouviu a voz de seu pai do lado de fora da tenda em que passava o dia inteiro, mal se levantando. Meses haviam se passado desde que Eros desaparecera, e ela somente conseguia sobreviver. Aninhava no peito o bracelete e a funda que ele lhe dera, se agarrando a eles como se agarraria ao homem que amava. - ... Yanka era tão altiva... e de repente....

- Calma, chefe – Ela ouviu a voz de Kaiko. - Por que não conversamos um instante?

E as vozes se afastaram.

Yanka fechou os olhos, na esperança de sonhar com olhos azuis e um corpo caloroso, mas sua tenda foi invadida por passos pesados.

Kira a arrancou do catre e a empurrou para fora.

- O que está fazendo?! - Ela gritou, os olhos doendo ao ver o sol pela primeira vez em muito tempo. A mulher apontou o dedo na sua cara, arreganhando os dentes.

- Isso, mantenha-se com raiva! Pelo menos a raiva vai te movimentar.

E saiu puxando-a para fora do círculo de árvores de sua tribo.

Yanka se debateu, mas os meses deitada chorando e pensando em Eros debilitaram seu corpo, então ela só teve a opção de seguir Kira.

Pararam em frente a algumas pessoas de rostos familiares.

Eles estavam vestidos com roupas de viagem e tinham mochilas cheias de suprimentos e água, como se fossem passar meses fora de casa.

Wika estava ali, e segurando sua mão, Bruxo da Árvore. Kira se juntou a eles, e logo Kaiko chegou correndo.

- Tudo pronto. Podemos partir.

- Estão indo a algum lugar? - Yanka perguntou, apática.

- Sim. Você também irá. - Kira começou a vesti-la com roupas resistentes ao sol, mas Yanka a afastou com um tapa.

- Não quero – Ela lhes deu as costas, mas Kaiko a fez parar.

- Estamos indo encontrar Eros.

- Onde? - Ela agarrou os ombros dele, enfiando as unhas na carne, desesperada. – Como? Quando? Como ele está? Ele está aqui? Por quê?

- Calma – Kaiko baixou suas mãos, pacientemente. Indicou o pequeno grupo - Chegamos a conclusão de que não ficaremos bem até sabermos como ele está. E você sabe... todos nós adoramos aquele bunda mole. Somos sua família, mesmo que não seja de sangue. Demoramos muito tempo para reunir suprimentos suficiente, arrumar substitutos em nossas tribos e convencer o pai de Wika a deixar ela ir.

- Eu não perderia isso por nada – A menina sorriu, e Yanka se deu conta de que não sentia falta apenas de Eros, mas de seus amigos e companheiros de jornada.

- Então – Kira ofereceu as roupas a ela – Vamos?

- Meu pai – Yanka hesitou. Ficar apática dentro da tenda era uma coisa, agora deixá-los de novo...

- Já falei com ele – Kaiko explicou – Disse a ele que vamos buscar seu futuro genro, e depois de algum tempo ele deixou. Ele prefere te ter longe e sendo a Yanka de sempre, do que te ter perto desse jeito.

- É isso que é amar alguém – A voz de seu pai os interrompeu. Ele tinha mais rugas em volta dos olhos, mas ao contrário da preocupação que enchia seu rosto diariamente, ele parecia relaxado. Estendeu os braços e Yanka se aninhou neles. - Amei sua mãe loucamente, mas fui um covarde por não lutar por ela. Por isso minha filha, se você tem a oportunidade de lutar por alguém que ama, faça isso. Estou muito orgulhoso de que você não esteja presa a um monte de tradições sem sentido, como eu fui a vida inteira. Voe, querida, e quando estiver pronta, volte. Estaremos te esperando.

Ela enxugou as lágrimas, olhando uma última vez para sua tribo e seu pai. A tribo por quem lutara tanto tempo. Por quem enfrentara feras, se enfiara numa batalha, se apaixonara.

Deu um beijo em seu pai, agradecida, se despediu de seu povo e aceitou a mochila e as roupas que Kira trouxera para ela.

Equipada com sua funda. a pulseira da cor dos olhos do homem que amava, e o colar que os unira, deu um passo à frente e a cada passo, ela sabia que sua força e vitalidade estavam voltando.

Por Eros, o homem que lutara por ela, ela atravessaria o Continente inteiro.

Com uma nova confiança e um sorriso no rosto, ela começou a jornada em busca de seu amado, ao lado das pessoas que considerava como família.

"Estou chegando, Yretoo."

FIM 

O despertar de CatiOnde histórias criam vida. Descubra agora