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Apesar da leveza e felicidade que Eros sentia em seu coração ao pensar em Yanka, a altura extrema em que estavam fez seu coração querer saltar pela boca.

Mesmo depois de terem descido muitos metros dentro do penhasco a queda até o solo era simplesmente mortal.

- Senhor, eu sei que eu prometi ir até o fim do mundo com o senhor – Tiro murmurou – Mas não acha que está sendo um pouco radical demais?

Eros ajustou a correia de seu soldado mais novo, e sorriu para ele.

- E como vai aprender a ter coragem se não tiver que ser corajoso?

E o empurrou em direção ao chão, a corda fazendo barulho ao passar rapidamente para o trilho. Tiro chegou ao chão seguro depois de gritar muito, e Eros mandou seus homens depois dele.

Quando o último se foi e só restava ele, Yanka e Wola, Kaiko chegou, esbaforido, falando rapidamente.

- Temos que ir... - Yanka traduziu. Um barulho atrás dele não deixou espaço para que ele terminasse a frase. A tribo Wattu havia invadido o túnel atrás deles.

- Yanka, vai – Eros começou a prender a cinta com a corda em volta de sua cintura.

- Você vai ficar bem?

Ele assentiu. Beijou rapidamente sua cabeça, a segurou contra o peito e murmurou em seu ouvido.

- Te encontro lá embaixo.

E a empurrou.

Enquanto prendiam o equipamento de Wola, o barulho estava cada vez mais próximo e Eros se virou para Kaiko.

- Ferreiro Caolho. Onde?

Kaiko permaneceu calado, e Eros amaldiçoou a diferença entre seus dialetos. Ele prendeu o equipamento em seu corpo e Kaiko rodeou o próprio corpo com a corda, para descerem juntos. Foi somente quando estavam prontos para pular que ele murmurou, falando perfeitamente a língua de Eros.

- Ele está aqui.

- Fala a minha língua?! Espera, aqui aonde?

Kaiko sorriu, o tapa olho brilhando ao sol.

- Eu sou o Ferreiro Caolho, bunda mole.

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- O que?! - Yanka gritou quando Kaiko repetiu essas palavras na língua de Eros – Espera...

Todos ao redor pareciam chocados. O caminho à frente deles era enorme e desértico, a sombra do penhasco os abrigando do sol escaldante. Kaiko tinha um olhar satisfeito no rosto.

Eros o olhava taciturno, arrastando seu bison. De todos os animais que Kaiko resolvera resgatar, ele trouxera seu animal, o escondera no penhasco e não contara a ninguém. Agora Eros descobria que ele era o Ferreiro Caolho e falava sua língua.

- Eu só queria que ele fosse burro, mal e feio. Seria pedir demais? – ele resmungou, contrariado com a situação. Nicholas, em cima de seu bison, se remexeu, murmurando palavras desencontradas.

- Como não desconfiamos que ele sabia se comunicar conosco? - Catri amaldiçoou, mancando onde um guerreiro o havia acertado.

- Ele aprendeu observando. - Sua tropa voltou seus olhos para Eros, inclusive Yanka, tão aturdida quantos todos ali - É, parece que as histórias sobre um ferreiro extraordinário na tribo Wattu estavam certas, afinal de contas. E o melhor de tudo, é que ele estava bem do nosso lado. Custava ter falado algo?

Kaiko sorriu para ele, sereno.

- E perder a chance de ver sua expressão quando descobrisse sozinho? - Eros fechou a cara.

Yanka pigarreou, tentando cortar o clima tenso.

- Então... Temos muitas perguntas, Kaiko.

O guerreiro assentiu.

- Vocês conquistaram o direito de ter as respostas. Perguntem

Ela abriu a boca para perguntar algo, mas Eros o cortou, seco.

- Quando você me chamou de bunda mole, já sabia a minha língua?

- Em parte, sim.

- E não podia ter escolhido algum apelido melhor?

- Você me chama de guerreiro fedido!

- Vocês dois parem! – Interrompeu Yanka, se pondo entre os dois, furiosa – Pelo amor dos deuses, Eros, vamos fazer perguntas que nos ajudem na jornada, tudo bem?

Ele fez uma careta e desviou a cara. O fato dela estar protegendo aquele idiota o deixava com raiva suficiente para querer bater a cabeça no precipício.

- Kaiko, por que a dica apontava para você? O que Velho Urso tem a ver com isso? Minha tribo... Não entendo o que está acontecendo.

O guerreiro pensou por uns instantes antes de responder.

- Existe uma... movimentação estranha no Continente, Yanka. Não foram só as crianças da tribo Yeta que foram raptadas e marcadas.

Ela pareceu confusa.

- Teve mais? - O guerreiro assentiu.

- Não achou estranho como tudo se ajeitou para que a tribo Yeta ou Malo se enfrentassem? Ou como nós fomos feitos de escravos, logo nós, da tribo guerreira? Ou que Velho Urso sumisse? Ou que em qualquer lugar que vocês passassem, uma parte da profecia se cumprisse?

- Então...

- Estamos trabalhando em segredo com a tribo Saqua. Símbolos semelhantes aos da profecia foram descobertos em corpos de pessoas que desapareceram de várias tribos, inclusive as crianças da tribo Yeta e sua tribo Cati. Temos a teoria de que, quem quer que esteja os raptando, esteja fazendo uma espécie de experimento.

Isso chamou a atenção de Eros.

- Experimento? Que tipo de experimento?

Kaiko o encarou, mistério no seu olho.

- Um ruim o suficiente para matar muita gente. Mas a tribo Cati... Foi a única sobrevivente, então achamos que Velho Urso não está tentando matar de fato, isso é apenas uma consequência desses experimentos.

- E para onde eles estão indo? Quem são? O que querem? - Yanka parecia desesperada por respostas. Ela socou o peito de Kaiko com força - Porque não me contou isso antes, Kaiko?!

- Não era a hora.

- Não era a hora? Estamos viajando a quanto tempo juntos? Você sabe o que aconteceu, você sabe!

- Precisavam merecer as respostas.

- Então foi divertido brincar conosco na arena?! - Ela gritou, parando a caravana. Os olhos estavam cheios d'água e Eros teve que se forçar a permanecer no lugar, ou Yanka voltaria sua raiva para ele. - E quem me garante que você não é um desse idiotas, quem quer que seja?!

Kaiko abriu as mãos.

- Não sou um deles.

- Prove! Porque, dentre todas as pessoas, a dica apontava para você? Por que você está envolvido com isso? Porque não contou antes...

Kaiko levou a mão ao tapa olho e o levantou. Por baixo, o buraco do olho era deformado e a carne fora cicatrizada de forma grotesca. E por cima de tudo marcado de uma forma dolorosa... Um símbolo, como os que estavam gravados no peito da tribo Cati.

- Não estou envolvido com isso, Yanka, simplesmente porque eu sou uma das pessoas que foram marcadas. É por isso que estão me procurando... Porque eu fui um experimento que sobreviveu. 

O despertar de CatiOnde histórias criam vida. Descubra agora