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Yanka passara a noite em claro, observando sua tribo. Desde que Velho Urso perturbara sua paz, ela nunca havia tido uma chance de olhar para sua família, sempre em sua vontade frenética de protegê-los.

Muitos adormeciam encolhidos em mantas e encostados uns nos outros, mas havia uma parcela que estava atenta e Yanka reparou algo que nunca havia visto antes: a dependência de sua tribo em Velho Urso. Como se ele fosse todo o centro do universo deles, algo que sugasse suas vidas e sanidade. Era como se eles tivessem sido enfeitiçados por ele, mas de vez em quando, tivessem breves momentos de lucidez.

Preocupada, ela olhou para a fenda logo acima. O guerreiro pálido não havia aparecido e Yanka sabia pela postura de seus homens que eles estavam prontos para matar toda a sua tribo se o seu líder não voltasse.

No final, tudo dependia daquele homem enorme e teimoso aparecer.

- Tribo! – Velho Urso bradou, com um olhar de triunfo quando o primeiro raio de sol tocou a terra – Aquele homem que afirmava ser o enviado do grande deus Rabuk, o senhor do fogo e da guerra, se perdeu na fúria do vulcão...

E foi acertado no peito por uma lança, cravada com tanta força que saiu do outro lado.

Velho Urso baixou os olhos devagar, sem acreditar.

Chocada, Yanka olhou para a fenda, e lá estava ele, em pé e banhado pelos raios de sol.

Parecia um deus, sujo, machucado e prestes a desmaiar, mas quando olhou para Yanka, ela soube que toda a sua glória de guerreiro e sua força o haviam mantido vivo.

Sua tribo se levantou na mesma hora em que Velho Urso caiu de joelhos. Seus guardas tremeram, e ela viu um filete de fumaça preta saindo de Velho Urso. A fumaça aumentou e rodeou seu povo, fazendo-os tossir e caírem. Yanka tossiu também, mas permaneceu consciente.

Correu até Velho Urso e o viu deitado, afogando no próprio sangue.

- O que fez com eles?!

- Não acabou... – Ele riu, gemendo de dor – Aproveite enquanto seu povo é livre... Logo eles chegarão...

- Eles quem? – Yanka sacudiu seu corpo enquanto a luz se esvaia de seus olhos – Quem está vindo?!

Foi obrigada a largar o corpo sem vida de Velho Urso quando foi puxada para trás, gritando.

- Para! – Eros a imobilizou. – Seu povo está inconsciente.

Ele tinha razão. A fumaça se dissipara e todos estavam deitados de forma perturbadoramente quieta. Os guerreiros pálidos estavam ao redor da tribo, olhando assombrados para seus corpos imóveis.

- O que... – Yanka balançou a cabeça, confusa. Foi até o homem mais próximo e baixou o ouvido para seu peito. Estava respirando. Repetiu mais vezes. Todos estavam vivos, incluindo seu pai.

Eros agarrou sua mão antes que ela continuasse.

- Preciso que veja uma coisa.

Ele a arrastou para a fenda, mesmo sob a chuva de ameaças dela, aparentando uma seriedade que a perturbou.

- Nunca achou estranho o comportamento deles? – Eros perguntou.

Yanka balançou a cabeça, aturdida.

- É claro, mas...

- Foca – Ele estalou os dedos em frente ao seu rosto. – Precisa ser forte, por mais que não entenda direito o que está acontecendo.

Ela assentiu.

Ele fez sinal para que Yanka o seguisse. Entraram num túnel de lava ressecada e seguiram até o túnel se abrir. Na frente deles, seis homens estavam deitados lado a lado.

- Segui o mapa que você me deu, mas dei de cara com uma parte bloqueada por rochas enormes. Tive que demolir parte do túnel, mas consegui passar. Quando cheguei perto da abertura, eles me cercaram – Eros indicou os homens – e por mais que eu os enfrentasse, eles pareciam não sentir dor.

- O que? – Yanka avançou e agachou do lado deles.

- Veja seus peitos.

Ela olhou com atenção. No centro do torax, suas carnes foram marcadas com símbolos grotescos e cruéis.

Ela se levantou, as peças se encaixando lentamente, um olhar que beirava o perigo nos olhos.

- Ele chegou depois que eu fui mandada para a tribo Tote pelo meu pai, para a negociação anual entre as tribos. Meu pai é velho, e já não tem mais força para viajar longas distâncias, então eu fui com uma pequena caravana. Quando eu cheguei aqui, meu pai e toda a tribo estavam estranhas... – Ela andava de um lado para o outro e Eros apoiou as costas na parede da caverna, tentando não se deixar levar pela exaustão. - ... Todos eles acreditavam firmemente em tudo que Velho Urso falava, e nenhum deles me ouvia ou ouvia alguém da minha caravana.

- O que aconteceu com sua caravana?

- Morreram. – Yanka respirou fundo – Resistiram comigo até o último momento. Tentamos de tudo para parar Velho Urso, mas ele matou a todos e tentou me desposar.

Eros se endireitou.

- E conseguiu?

Yanka sorriu, orgulhosa de si mesma.

- Por que acha que queriam me jogar no vulcão?

Eros sorriu. Com certeza ela era a mulher mais enigmática, feroz e incrível que ele já havia conhecido e isso o deixava com mais vontade de conhecê-la.

- Essas marcas – Ela passou a mão pelo peito de um dos homens – Será... Que tem a ver com a fumaça preta? Mas o que são essas marcas?

Eros deu de ombros.

- Meu palpite é que ele controlava todos através da marca. Você não tem nenhuma, por isso não foi controlada. Quanto ao que elas são... – Ele se interrompeu, inclinando-se para frente, com uma careta de dor.

Yanka correu para seu lado.

- Você... – Ela o analisou atentamente. Por baixo da sujeira e através da escuridão, conseguiu ver a pele dele cortada e esfolada e pelo menos dois ferimentos que jorravam sangue. – Está ferido.

Eros riu fracamente.

- É o que parece...

Yanka revirou os olhos. Ele ainda fazia piada, mesmo estando fraco. Colocou seu braço por sobre seus ombros e o arrastou até a entrada da caverna.

- Me permita usar seus homens para colocar ordem na tribo.

- E o que eu ganho com isso?

Yanka resfolegou, fazendo sinal para um dos seus homens e colocando Eros sentado enquanto eles chegavam.

- A sorte de não morrer e ficar com seu ouro.

Ele a encarou com uma intensidade que a deixou abalada.

- Se eu não morrer, posso ganhar seu coração?

Yanka escondeu o sorriso com uma careta.

- Se preocupe em não morrer primeiro.

Ele riu.

- Isso não foi um sim... Nem um não... – Murmurou enquanto caia num torvelinho de escuridão.  

O despertar de CatiOnde histórias criam vida. Descubra agora