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Yanka foi empurrada de joelhos, a cinco passos do cercado.

Um animal a encarava, bufando e escavando a terra. Mais animais se remexiam perto. Yanka ajeitou entre as mãos a faca que roubara do líder do bando e começou a cortar a corda da forma mais sutil que conseguiu.

Gleitor, ao seu lado rezava sem parar, assim como a maioria dos homens de Eros. Alguns escravos que foram levados com eles, permaneciam mudos e encolhidos, como se esperassem a morte. Dos homens pálidos, apenas Tiro e Catri permaneciam calados.

- Não vão rezar aos seus deuses? - Ela sussurrou, de olho nos homens da tribo Malo que passeavam por ali.

- Os deuses me abandonaram quando eu era uma criança - Tiro, o mais jovem, murmurou, sem expressão, mas Yanka soube que no fundo devia ter uma cicatriz enorme – Cresci com a minha avó, mas vivi mais na rua roubando comida para sobreviver, do que dentro de casa.

- Eu não acredito nos deuses – Catri respondeu.

- Em que você acredita?

- No poder da minha pança.

Yanka se engasgou em uma risada e recebeu um puxão de cabelo violento como punição.

- Calados – gritou o homem que os raptara. - Atenção, caros irmãos!

A multidão, desordenada, mal deu atenção ao homem.

Frustrado, ele tentou novamente, mas de novo, ninguém prestou atenção nele.

- Esse povo parece exatamente como os animais que eles domesticam: fedidos e desordenados – Tiro sussurrou em seu ouvido e Yanka teve que concordar.

O homem gritou a plenos pulmões, e finalmente, teve a tenção desejada.

- Escutem aqui, seus idiotas! - Apontou o dedo para a multidão - Se não prestarem atenção no que eu falo, não vão ter escravo nenhum!

E a multidão teve a reação mais inesperada possível: riram, zombaram e o ignoraram.

- Ande logo, Roto, queremos os escravos, não ouvir sua voz de vovó - Alguém gritou, e a multidão gargalhou.

O homem ficou possesso de raiva e sacou a lâmina de um de seus capangas, mas antes que pudesse atacar alguém, gritos desesperados foram ouvidos.

Pessoas, corriam para o centro da aldeia. Atrás delas...

- Fumaça - Murmurou Yanka.

Com a confusão que se seguiu, pessoas corriam desesperadas, com guardas tentando acalmá-los, crianças choravam, cachorros latiam, galinhas voavam.

Yanka aproveitou o momento de distração e usou a faca de osso que estava aninhada no meio das mãos para terminar de cortar a amarra que prendia seu pulso.

Cortou a de Catri e quando se virou para libertar Tiro, algo na multidão lhe chamou atenção.

Três homens arrastando uma pessoa aparentemente inconsciente entre eles.

Distraída, ela colocou a faca na mão de Tiro, fazendo sinal para que ele libertasse os outros.

Se enfiou no meio da multidão, tentando não perder os homens de vista, mas cada vez que tentava chegar perto deles, ela era empurrada para trás por pessoas que fugiam para todo lado.

Desesperada ela usou cotovelos e pernas para abrir caminho, mas nada parecia funcionar e os homens estavam se afastando. Alguém agarrou sua cintura e ela girou os braços para bater a pessoa, urrando de frustração, mas este só a pressionou contra o corpo forte e musculoso.

- Yanka! - Eros sussurrou no seu ouvido, levando arrepios pelo seu corpo. Sob o capuz, seus olhos reluziam como jóias azuis. Em estado de alerta, ela girou em seus braços, procurando os homens, mas eles haviam sumido.

Ela socou o peito de Eros.

- Eu estava quase conseguindo alcançá-los!

A expressão dele se tornou fechada.

- Precisamos ir embora.

- Me solta!

- Acha que eu não quero respostas também?! - Ele gritou – Mas precisamos estar vivos para ter respostas, sabia?

E saiu arrastando-a pela multidão, apesar da sua resistência.

Estavam quase chegando no local em que a tropa se reunia em frente ao portão da cerca, quando Yanka foi puxada violentamente para trás.

- Onde pensa que vai, belezura? - O homem asqueroso que os escravizara rosnou, desvairado enquanto enfiava as unhas em seu braço.

Eros avançou furioso para tirá-la de suas garras, mas Yanka foi mais rápida.

Encarou a cerca, se livrou de Eros e falou:

- Por todas as coisas asquerosas que disse e que fez... - Ela lutou com ele e o arrastou para perto da cerca. - Por todas as pessoas que machucou e matou... - Chegou o rosto bem perto do dele e rosnou, furiosa – Pelo ser humano desprezível que você é... eu espero que você morra da forma mais dolorosa possível.

E soltou o trinco que mantinha o portão no lugar e os animais dentro.

O homem arregalou os olhos, surpreso e Yanka gritou de forma selvagem, espantando os animais.

Com o portão aberto, eles se precipitaram para fora, loucos pela liberdade e foram direto até os dois.

Eros a arrancou de lá no último momento possível, e o homem foi levado pela turba de violenta de antílopes, possivelmente pisoteado até a morte.

Eros e Yanka rodopiaram para longe da confusão, tropeçando nos próprios pês e parando.

Ele a segurou em um abraço apertado.

- Eros... Eu estou irritada, portanto não ouse me dar um sermão sobre segurança e porque uma mulher não pode... - Ela parou. - Você está rindo?

Ele pegou seu rosto entre as mãos, os olhos faiscando em felicidade e o sorriso largo.

- Você é simplesmente, a mulher mais incrível que eu conheço - ele bradou, em alto em bom som, parecendo uma criança feliz e maravilhada com algo novo.

Yanka segurou a respiração, se esquecendo por um breve momento que estavam no meio de uma enorme confusão de animais correndo sem rumo, pessoas fugindo em direção à própria salvação. Seu foco era o homem a sua frente, sorridente e orgulhoso dela. Algo faiscou entre eles, uma intensidade diferente. Ela levantou a mão, abarcando seu rosto. Por algum motivo, ela não conseguia desviar os olhos da boca bem desenhada dele.

- Eros...

E foram separados violentamente. Yanka esfregou o braço dolorido e olhou para um Catri com um olhar de desaprovação.

- Nunca pensei que ia usar minha pança para interromper algo romântico, princesa, mas precisamos ir embora! AGORA!

Eros o encarou bravo, reuniu seus homens e fez uma rápida contagem.

- Precisamos pensar numa estratégia...

- Se pensar demais, vamos morrer!

Yanka o tirou do caminho e começou a correr com velocidade em direção aos animais em debandada. Se agarrou no chifre de um animal, correu um tempo, e com um impulso firme dos pés, saltou em seu lombo. Olhou para trás, para os homens que ficaram, mas conseguiu ver a cara de surpresa de Eros. Sorrindo, ela focou no limite da aldeia, logo a frente.

Em seu coração, ela sabia que ele a seguiria. 

O despertar de CatiOnde histórias criam vida. Descubra agora