Capítulo 1 _ Maksin

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"Vi que ganhou a medalha de ouro, parabéns filhote."

Junto as palavras, minha mãe envia vários emojis de coração e figurinhas do mesmo teor, completando com um "eu te amo" em letras garrafais.

A respondo com um, "obrigado, te amo também", e bloqueio a tela do celular. Minha progenitora é uma mulher extremamente ocupada que passa mais tempo em viagens a serviço do que dentro de casa, para a irritação do meu pai.

Quando fui competir no campeonato não esperava sua presença e por isso não fiquei surpreso quando um empecilho em seus horários a impediu de assistir. O êxtase do momento era bem melhor, a adrenalina nas veias e a sensação agridoce da vitória.

Meu pai ficou decepcionado com ela. Eu satisfeito.

Em dado momento da vida, nós começamos a deixar de esperar pelas pessoas, de suprir suas expectativas ou de aguardar ansiosamente suas reações, de desejar ser fonte de orgulho para elas. E então passamos a focar no eu. O que eu quero para ser feliz, os meus objetivos, o que faço para orgulhar a mim mesmo.

Não entrei naquele ringue em busca de envaidecer o ego dos meus pais correlação a mim, subi para vencer, subi por mim. Amo eles, mas minha vida não gira em torno de seus pensamentos ou esperanças.

Mas meu pai, meu pai é o completo oposto.

Apesar da exultação por eu ter vencido e de termos passado o dia comemorando, quando a noite caiu o escutei brigando com ela ao telefone, duas horas de xingamentos e justificativas, até ele desligar e adormecer engasgando com seus próprios soluços.

O homem sempre foi sentimental demais, talvez por isso tenha tanto sucesso em sua carreira de ator e ao mesmo tempo também ser um esplendido pai. Porém, ele tem essa péssima mania de colocar muitas expectativas sobre Natasha que, constantemente, o decepciona.

Para completar o azedume de tudo, minha mãe, forçada por seus chefes, prolonga sua estadia na Itália e perde minha vinda para o Internato. Pelo olhar de Viktor na despedida quando o celular soou e na tela brilhou o nome dela, já prevejo grandes discussões vindo por aí.

Discussões extremamente cansativas.

É inevitável não sentir alívio por poder passar um tempo longe deles. E de seus dramas.

Odeio dramas.

Exceto, e essas são as únicas exceções, quando se trata de literatura ou teatro.

A tela do meu celular brilha de novo dessa vez com mensagens de "sinto muito", o que indica que ela perdeu a discussão. Não faço questão de responder, guardo o aparelho no bolso e volto minha atenção para o clássico da literatura brasileira que repousa em meu colo, Dom Casmuro. Tenho um dos primeiros exemplares e as páginas envelhecidas dão o toque final a trama da virada do século vinte.

Embarcar nas desproporcionais e maníacas emoções de Bentinho me supre a vontade de ter que ficar pensando muito nas minhas próprias. Além disso, conhecendo o professor de literatura avançada, provavelmente será o primeiro livro-tema desse mês.

Não sei quanto tempo fico imerso entre as letras, mas fecho o livro no exato instante em que a paisagem predominantemente urbana dá lugar as grandes copas das árvores curvadas que "fecham" a estrada fazendo com que a luz do sol seja forçada a abrir passagem por entre suas espessas folhas. Tudo ficando com um brilho mais bonito. Parece idiota, ou não, se considerarmos os aspectos biológicos e a psicologia humana, mas sinto o ar até mais refrescante.

Cinco minutos depois, paramos em frente a um grande portão de ferro fundido e pintado na cor ouro, meu chofer, Carlito, troca algumas poucas palavras com o novo porteiro antes que nos seja permitido seguir viagem.

Como Odeio Amar VocêOnde histórias criam vida. Descubra agora